O homem estava pobremente vestido, já havia percorrido quase toda a cidade. Iniciava a sua «Via-Crucis», aonde muitos que tinham problemas iguais aos seus, na Praça Castro Alves Daí na Rua Araújo Pinho, batendo primeiro no Bar do Martinho, depois na casa da Amália, Tudo em vão. Porém, a necessidade de encontrar àquele, que seria a sua «salvação da lavoura» o forçara a enfrentar o temporal.que caía sobre a cidade. Ia tentar mais um local, como a última, cartada. Se dirigiu ao Largo do Unhão, mais precisamente no cabaré de João Grande. Efetivamente não poderia entrar naquela sofisticada casa de diversões, onde a jogatina e o mulherio imperavam. Seus trajes o impediam e o jeito era implorar a ajuda de qualquer "habituee" da casa.
Finalmente estava ali o homem que ia lhe socorrer. Tinha certeza absoluta de que seria atendido o que realmente aconteceu.
Ao primeiro recado surgia o velho e boníssimo Dr. Lopes que descendo as estreitas escadas de cimento, foi ao encontro da pessoa que o procurava.
Tratava-se de um pescador. Precisava dos serviços do popularíssimo e solícito médico-parteiro. Sua esposa, no pontal, estava em dificuldades. Já havia passado a hora do nascimento de seu filho, sem que a parteira conseguisse resolver a situação.
Sobraçando sua maleta com os instrumentos necessários, o velho médico se dirige ao cais da Praça Firmino do Amaral onde um pequeno escaler lhes esperava. Embarcou na frágil canoa e a travessia perigosa, devido ao temporal, feita pelo nervoso pescador, chegou ao fim sem incidentes
Parto laborioso que terminou com o dia claro, O pescador agradecido, fez questão de acompanhar, de volta no seu escalar, o bom médieo que notara o estado de pobreza do casal, possuidor de outros filhos ainda menores. Depois da travessia, menos perigosa, pois o temporal já havia terminado, ao saltar, Dr. Lopes sentiu que o seu "cliente" estava querendo falar alguma coisa além do pagamento tradicional que costumava receber ou sejas «Deus te Ajude». Diante da indecisão o médico perguntou o que queria. Acabrunhado respondeu: "É que o senhor esqueceu de pagar a passagem…
Este episódio que todo o mundo conhece aí em Ilhéus, me foi relatado, aqui em casa, no Realengo. Diante do meu espanto, o velho Lopes, com aquele riso característico, esclareceu:
─ Senti de perto a miserabilidade do lar que acabara de visitar e a cobrança era nada mais de que a necessidade que imperava no seio da família que os 2 mil réis ia amenizar.
Era assim o Bom Médico, um verdadeiro exemplo de humanismo hoje raramente verificado, entre a classe médica, cuja maioria absoluta visa apenas o «vil metal» e que pôs acima de tudo, inclusive o solene juramento no ato da sua formatura, o interesse pecuniário.
A prova desta afirmativa foi o inusitado movimento grevista dos residentes, na defesa de um alto salário, não condizente com os baixos salários recebidos pela massa trabalhadora. É bom. esclarecer que a residência, nos hospitais é dada aos recém formados para que os mesmos, em determinado período, adquiram a necessária experiência para melhor desempenho de suas futuras atividades, que por tradição devem ser exercidas o máximo de humanismo.
Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 22/08/1979
quarta-feira, 17 de junho de 2009
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