quinta-feira, 11 de junho de 2009

Binga ─ O companheiro de João Cândido.

RIO — A leitura de "Cartas a J. Duarte", de Manoel Evangelista de Bri­to o belmoníense de Maragogipe, tema da crônica anterior, efetivamenie me trouxe gratas lembranças, principalmente pelos personagens que desfilam nas missivas do autor, na maioria meus conhecidos, muitos dos quais tive contatos, em face da minha função de gráfico e de repórter.

Já não falo de Amando Rocha, genro do escritor que como primeiro representante da "Singer"', vendeu a máquina que minha mãe costurava, com a prestação mensal de 2SOOO (dois mil reis). E havia mês que a prestamista não tinha dinheiro para pagar. Também sobre Dr. Pericles, aturma de Pedro Serra, que mandou fazer, em sua casa a porta da sala de visitas depois que seu piano estava colocada a fim de evitar os pedidos de empréstimos do instrumento, foi objeto de uma "Coisas Velhas e Novas". Outros personagens citados no livro de Manoel Brito passaram por esta coluna, o mesmo acontecendo com os ilheenses como Misael Tavares, Mário Tourinho e outros.

Mas , nas últimas páginas do livro, antes do relato dos acontecimentos que fizeram Brito "se mandar" da sua querida Maragogipe, o escritor, como sempre, em carta ao J. Duarte, se referiu ao seu irmão Sabino Barbosa de Brito, apelidado de Binga, que com os seus 15 anos foi mandado para a Marinha. Havia atingido a primeira classe quando ocorreu a "Revolta da Chibata", em Dezembro de 1910, chefiada pele "Almirante Negro", o gaúcho João Cândido Felisberto, que conheci aqui no Rio, já no ocaso da vida, na Praça Quinze, em frente a Cooperativa dos Pescadores, leiloando pequenos montes de peixes, restos da divisão do produto entre os trabalhadores do mar.

Efetivamente foram 70 homens que se rebelaram contra os" castigos corporais impostos aos marinheiros, contrariando um dos primeiros atos do governo republicano, que foi o Decreto de nº 1.889. Mas todos nós só sabíamos do nome do "Almirante Negro", visado, até a morte, ocorrida em 1969, por todos os comandantes que passaram pelo Ministério da Marinha. Em face disto achei por bem compilar trechos do capítulo "Binga — O Herói Desconhecido

Os revolucionários do encouraçado "Minas Gerais," conseguiram a adesão dos encouraçados "S. Paulo" e "Deodoro" e do "Scout" "Bahia, além de numerosa turma do Batalhão Naval e do cruzador "Rio Grande do Sul". Dominada a situação, João Cândido impôs a imediata abolição da chibata nos castigos corporais, melhoria da alimentação, maior folga e anistia após a cessação das hostilidades. Sancionada a Lei da Anistia, elaborada pelo Senador Ruy Barbosa, o governo prometeu atender as exigências dos amotinados que já haviam eliminado o comandante João Batista das Neves, os capítães-tenentes Mário Carlos Lahmeyer e José Cláudio da Silva Júnior, além do 1º tenente Mário Alves de Souza.

Acreditando na promessa do então presidente.da República, Marechal Hermes da Fonseca, os amotinados suspenderam as operações. O comandante do Minas Gerais, o Capitão de Mar-e-Guerra João Batisla Neves, que no início das operações não estava no encouraçado, foi substituído juntamente com seus oficiais e o seu substituto, contrariando o compromisso assumido, ordenou a prisão dos amotinados, prendendo-os nos porões do navio "Satélite e depois enviando-os para as masmorras da Ilha das Cobras, onde muitos faleceram devido o tratamento que lhes foram prestados.

Binga, que era uma espécie de lugar-tenente do Almirante-Negro João Cândido, contrariando os conselhos da sua turma, evadiu-se na Ilha-prisão e depois de algumas horas alcançou o Cais Pharoux de onde embarcou clandestinamente num cargueiro chileno e só foi descoberto, para a sua felicidade, quando o navio estava em alto mar.

Ameaçado de ser entregue à embaixada brasileira no Chile, foi salvo devido a sua capacidade de trabalho, reconhecido, pelo comandante da nave, seu futuro sogro.

Binga, o companheiro de João Candido, participou da primeira grande guerra, em 1914 e a última carta que escreveu a Dª Maria Jovina de Brito, sua mãe, foi em 1918.

Esta historia é difícil de encontrar nas Enciclopédias que, geralmente relatam a "Revolta da Chibata" em poucas linhas e quando aparece um Edmar Morel...


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 16/11/1979

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