quinta-feira, 11 de junho de 2009

Gilka ─ Uma pintora precoce.

RIO — Um telefonema, há dias já deixava um aviso de que deveria comparecer a uma exposição de pintura!.: no Clube Satélite, entidade composta de funcionários do Banco do Brasil situada no Estácio que, nas primeiras décadas deste século, juntamente com Vila Isabel, era o reduto dos sambistas, onde o Poeta de Vila — Noel Rosa — nasceu e compôs suas melhores páginas musicais, tais como os antológicos «Feitiço da Vila», «Com que Roupá», «Conversa de Botequim» e «Último Desejo», composições excepcionais que hoje, ontem e amanhã, serão consagradas e eternizadas pelos apreciaores da boa música.



O telefonema afirmava que, dentro em pouco, receberia o convite, já expedido pelo Departamento dos Correios e Telégrafos. A participação era do velho conterrâneo Etelvíno Flores participante do grupo intelectual belmontense, nos idos de 1920 e o evento seria realizado na sexta-feira à noite com a abertura marcada para às 21 horas.



Dia e hora pouco convidativos principalmente para quem reside em, Realengo e ter que ir a cidade para se dirigir ao local determinado, porém teria que enfrentar a situação, pois o pedido do .Etelvino, para mim era uma intimação. O velho Flores é um dos remanescentes daquela respeitável e respeitada geração — em visível desaparecimento — em que a palavra só tinha um significado.



Desde a primeira hora, firmei propósito de comparecer a «mostra» e mantive a ideia com um-estoicismo fora do comum para a minha idade já avançada, aquela em que na véspera confirma, e pela manhã do outro dia a confirmação se transforma nurn talvez para, na «hora H», desistir. De modo geral acontece assim.



Apesar do tempo estar ameaçador "me mandei» para a sede do clube dos bancários e lá cheguei antes da inauguraçao, onde já estava a artista, uma garota de 13 anos que pelo físico, parecia ter menos idade, detalhe este que me surpreendeu. Junto a ela sua mãe Lecí Flores, nascida em Belmonte depois da minha. transferencia para Ilhéus.



Os avós Etelvino e sua esposa Profetina e a Telma, tia da artista, funcionária aposentada da Petrobrás, chegaram depois da inauguração da «mostra».



A hora aprazada, ou seja às 21 horas, foi descerrada a fita e iniciada a visitação aos quadros pintados pela Gilca este o nome da jovem artista, alvo de calorosas manifestações por parte de já numerosa assistência que se comprimia na sala, onde 30 quadros, atestavam a capacidade da garota, demonstrada nos mais variados temas retratados.



Pouca coisa a destacar ante a homogeneidade da ''mostra”, mesclada de retratos, paisagens da natureza ou trechos de ruas antigas. Um. Por do Sol, me trouxe a lembrança de Sosígenes Costa, também belmontense. Um Farol me pareceu homenagem ao faroleiro aposentado, avô da artista. Para os baianos lá estava o Elevador Lacerda, surgindo de uma vela, de barco pesqueiro no cais da tradicional Escola de Aprendizes de Marinheiros. Um coqueiral e uma casinha isolada numa ilha, perto de um retrato de Cristo Crucificado, completavam o salão.



Não me arrependi de ter ido a exposição e constatar a precocidade de Gilca, que nunca frequentou siquer um ateller e nem teve orientação de pintores, se valendo apenas da sua imaginação. Naturalmente com a repercussão do seu trabalho, a jovem" será obrigada a se aprimorar através de uma Escola de Belas Artes, onde pouco tem que aprender.



Daqui meus parabéns aos avós e pais da pequenina artista, cujo cacique-mor, o Etelvino foi o pioneiro, em Belmonte da Campanha Nacional dos Colégios Gratuitos e chefe do Grupo de Escoteiros, movimento responsável pela formação moral e intelectual de centenas de jovens esgalhados por todo o país.



Para Gilca, a pintora precoce, a repetição do êxito daquela sexta-feira no Satélite.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 20/11/1978

Um comentário:

Unknown disse...

Olá, Maria Helena. Aqui é Gilca Flores, citada neste artigo. Ficamos felizes por ver na internet a publicação dos textos de Rubens Esteves. Meus avós já são falecidos, mas minha mãe e tias reviveram grandes lembraças ao relerem os textos e gostariam de um contato seu. Se puder envie para gilcaflores@hotmail.com
Um grande abraço,
Gilca Flores (Vitória/ES)