RIO — Quem não gosta dos casos contados pelos «austeros» pescadores? Que dizem das «façanhas» dos caçadores? Mais do que uma viagem por este mundo afora, estes sérios e compenetrados senhores, nos proporcionam uma verdadeira higiene mental, mesmo quando reagem em face de uma visível incredulidade demonstrada pêlos seus ouvintes.
Gosto das crónicas que o JORNAL DA MANHÃ vem publicando, sob o título «E TEM AQUELA DE...», ultimamente subscrita pelo incrível Chico Anísio. São coisas que, sugere a inevitável reaeão do «Isto"não é nada», que deixa o contador sem graça, pois a frase representa a descrença ou mesmo a desconfiança da veracidade do «causo».
Quando vou a Bahia, no caso Salvador, tenho como obrigação visitar velhos amigos residentes na mais velha Capital do País. dentre estas visitas em plano elevado está o conterrâneo e compadre Waldeck de Oliveira, pai do destacado meio de campo Deco, que ganhou fama no «Mário Pessoa» e hoje está integrado no esporte alagoano.
Atualmente o amigo reside eni Itapoan e é vizinho de «parede e meia» de um pacato senhor aposentado que, até o rnês passado o meu conhecimento com ele, não ia além das saudações protocolares.
Agora, quando da última visita a Salvador, os tímidos «bom dia», «boa tarde» e «boa noite», foram radicalmente transformados, em face de uma ocorrência inesperada. Chegando à casa do Waldeck, como se diz na giria, «batemos a cara na porta», ou seja eu e minha patroa encontramos a casa fechada. A senhora do Cantídio, este o nome do vizinho, sob a alegação de que nossos amigos deviam regressarem logo, insistiu que aguardássemos a chegada em sua casa.
Aceitamos a sugestão e nos «acadeiramos» à, porta dos vizinhos. Minha patroa entabulou uma conversa com a esposa do Cantidio, enquanto este, quase sussurando «abriu o jogo», fazendo unia espécie de histórico da-sua vida atribulada, iniciada na roça, com seus pais pobres agricultores.
A vida de Cantidio era, finalmente, igual a de muita gente entranhada na mata e que, depois de uma «luta inglória» resolve «se mudar» para a cidade em busca de dias melhores.
Da roça, Cantidio seguiu para Feira de Santana onde aprendeu a profissão de carpinteiro. De Feira para Salvador foi um pulo. Em Salvador conseguiu trabalho dos primeiros inscritos só se afastando por motivo da aposentadoria-
A certa altura, a conversa que começou cerimoniosa, já estava na base dos casos de aventuras. Enquanto eu relatava os fatos na base do «me contaram» Cantidio contava suas peripécias, além .dos acontecimentos com companheiros durante viagens, algumas até tipo" de coisa que «Deus duvida».
Olhos maus, fantasmas aparecidos em plena mata e tantas coisas idênticas, eram contadas para «passar o tempo» pois os compadres não chegavam como terminavam não chegando.
Mas a passagem que mais me impressionou foi quando, durante uma caçada desabou forte temporal que alagou quase totalmente a área onde estavam ele com um companheiro. Ilhados nada podiam fazer. Conhecedor do local se dirigiu a um riacho que daria passagem, por um atalho, para a sua casa. Mas, com as chuvas, o pequeno rio se transformou numa cachoeira impossível de se transpor.
«Seu» Cantidio parou um pouco para meditar, fazendo com que a correnteza parasse, dando tempo a ele passar. Na travessia disse ao companheiro não lhes acompanhar, no que não foi atendido.
E terminou: o companheiro morreu pra não ser teimoso.
Já estava escuro! Chamei a patroa e voltamos para o Hotel, onde lembrei que tinha esquecido de perguntar que espécie de meditação o Cantidio havia feito.
Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 24/05/1979
quinta-feira, 11 de junho de 2009
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