quarta-feira, 17 de junho de 2009

Meu aprendiz Gumercindo Tavares.

RIO — Uma das pessoas mais importantes que conheci em ilhéus, íoi o coronel Mizael Tavares que, diga-se de passagem, já o conhecia de nome devido a sua fama da. ser o-íiot-'1 rnem mais rico da Bahia. E' que ao chegar na cidade me instalei bem defronte do palacete do milionário, na Praça São Jorge, justamente na Pensão de Dona Catarina, no fim da Rua Conselheiro Saraiva, sofisticada artéria calçada com trabalhados paralelepípedos, moradia de importantes personagens como Senhor, Lavigne, Silvno Kruschewsck, Raimundo Pacheco e o venerável cônego Evaristo Bitencourt. O homem era 'madrugador e bern cedo depois de uma "olhada" na rua debruçado sobre a janela do casarão hoje sede da Loja Maçónica, se dirigia ao seu escritório na Praça Firmino do Amaral, transformado no primeiro “arranha céu" construído na Capital do Cacau. Algumas vezes o acompanhei na sua caminhada ao trabalho, invariavelmente seguindo peia avenida Beira-Mar, Praça do Vesúvio, Ce! Paiva e finalmente na Eustáquío Bastos.

O pacato cidadão, sempre ''malhado'1 pe-ios ilheenses como um inveterado, usurário ti­nha seu nome pejorativo ë s are esticam ente transformado. Aproveitavam as iniciais MïVlST — Maneei Misael da Silva Tavares — em o "Maior Miserável Sobre a Terra", o que era uma verda­deira eresia e, em obsoiuto, não condizendo com o espírito filantrópico do milionário, sempre co laborando financeiramente com as campanhas, de entidades de cárter sociais ou mesmo re­creativas como aconteceu com a Filarmónica Santa Cecília, premiada cem um instrumental completo , oferecido pelo Rei do Cacau, trazi­do de sua viagem turística à França, no início da década de 30. Presidia a "banda" o maestro-Pedreiro Astrogiido. •

O que ocorria é que na"'época em que o co­ronel Mizael preparava o "pé de meia" se em­brenhava na mata num trabalho iniciado como tropeiro dando um duro danado, fazendo roça­dos comprando terras e dirigindo barracões, verdadeiro "maná" para os patrões, enquanto^ destacados comerciantes e fazendeiros íocais se deleitavam nos-cabarés ou nas v-iagens às capitais do País gastando por conta das futuras

altas que, viesssm ou não, erarn motivos, co­mo ainda hoje cloroses reclamações.-

Ninguém podia negar, entretanto era o ti­no administrativo do milionário e a preocupa­ção de dar aos.filhos — fossem eles da "ma­triz" ou da "filial" — uma instrução que ele mesmo não teve. Todos, eu quase iodos ter­minaram diplomados nos mais variados cursos é nos melhores educandários ao País,

Quando Üigo quasi todcs é que dois deles não deram bem com ss letras, contrariando a linha do chefe. Um deles foi "confinado" nu­ma das muitas fazendas do velho, assumindo sua gerenola. Este ccr-staníemente tirava um •dia para fazer «uma "estação de águas" na ci­dade, onde fazia verdadeira "razzia" deixando em polvorosa alguns bares, além dos naturais aborrecimentos para a sua família. Já o outro era completamente diferente do mano. Caímo. Educado nas suas maneiras, incapaz de maltra­tar aíguém. Aliás este era o lema dos familia­res do ricaço, inclusive do "confinado" quando em estado norma!.

.. Certa manhã, depois de cobrir o rotineiro itinerário matutino, Mizaeí Tavares se dirige a Carlos Monteiro, outro madrugador no "Diário", depois cie rápida conversa, entrou no assunto

— Seu Carlos quero te pedir um favor: "Bo­te" Gumercàido — este o nome do segundo fi­lho absíemío em relação as letras — pra-apren der tipografia. O menino não quer nada e eu não gosto de vagabundo na família. Pelo menos ele vai aprender urna profissão. Tome conta.deie.,t Atendido o apelo, no outro dia cedo estava Gumeroindo nas oficinas sob o meu comando e à tarde "metendo os peitos" na dobragem do jornal. ' í; /:;: Foram pousos oá díns que convM com'o 'filho do Rei .do Cacau pois logo depois com.a doença do velho e seu embarque para o Rio de •Janeiro onde ocorreria seu falecimento,meu a-luno foi obrigado a interromper o aprendizado!* íomar, conía do que era seu. v . O pequeno período entretanto deu para de­monstrar quanto Gumereindc tinha "gente" já como diz o bahiano'que "não tinha bondade"/!

Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 30/12/1980

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