quarta-feira, 17 de junho de 2009

O enterro do Capacidade elevada.

RIO — Há meses, os jornais desta Capital, noticiaram elogíosamente, a homenagem póstuma.do Bairro de Fátima — um recanto de moradores da classe média que está lentamente desaparecendo na voragem da inflação — na popularíssima e tradicional Lapa, prestada a um dos seus personagens populares, componente de uma destas turmas que vivem perambulando pelas ruas vivendo de pequenas contribuições para satisfazerem seus vícios, o maior dos quais uma cachacinha, que para muitos, apenas “um trago”, serve para “resolver” seu caso.

O boa vida" homenageado, moço de recados e "pombo correio” dos bicheiros da área e que, por estes motivos, se tornou popular havia falecido o a comunidade do Bairro de Fátima se reuniu para prestar-lhe a «última homenagem», fiancindo seu funeral, evitando que fosse sepultado como indigente. Uma espécie de recompcnsa pelos «serviços prestados» à coletividade. Finalmente o morto, para eles, era «pau pra toda obra».

A homenagem me fez lembrar um popularlssinio personagem que vivia vagando pelo Gameleiro, conhecidissímo que era na «zona» e toda a área compreendida entre a Rua do Filtro até u Plano inclinado. Como o morto de Fátima, vivia de gorgeta, por pequenos serviços inclusive transportando água para as residências já que o serviço ainda era precaríssimo, apesar da assiduidade com que Darin fazia a cobrança nas casas pelo abastecimento do precioso líquido.

O homem do Gameleiro se chamava «Capacidade Elevada». Um verdadeiro folgazão que espalhava alegris na Ilha das Cobras pronunciando discursos e conversando fiado com os transeuntes. Tinha seu lado bom. Nunca se apresentava contrariado e nem gostava de pronunciar palavrões, nem quando «acossado» pela molecagem, hoje o “modismo” que atinge a todas as camadas e idades.

Numa quarta-feira de cinzas “Capacidade elevada” faleceu num pardieiro situado na Praça Cairu, perto do barracão onde Manoel Goiana bancava um víspora, mesmo em frente da Estação da State. A notícia ocorreu célere em todo Gameleiro e como o filósofo não tinha família foi sugerido que o sepultamento fosse feito às expensas dos moradores da área. Mesmo porque “Capacidarde” não tinha família e já era muito ter onde «cair morto». Foi muito fácil fazer o levantamento do numerário para as despesas e mais fácil ainda, consegui a cobertura para financiar o «lubrificante» pura manter a «desolação» daqueles que iam participar da sentinela, todos "amigos da opa”.

O velório foi qualquer coisa de sensacional, com Deusdedite das Carroças, comandando o time das anedotas. Se o velório foi animado, o enterro nem se fala. Parecia um préstito carnavalesco, com os acompanhantes, na maioria, ainda fantasiados, fazendo o «préstito» parar constantemente para a devida lubrificação que, em momento algum, faltou .O sepultamento foi no arenoso cemitério do Pontal, onde os menos afortunados encontravam mais fácil sua última morada.

Ali, no “campo santo” pontalense, dias antes havia sido enterrado um amigo de «Capacidade», cujo acompanhamento seguiu o mesmo ritual do «Boa. Vida» mas sem a mesma concorrência do recém-falecido.

Lá estava “Capacidade” levando o companheiro do peito que, quando o corpo ia baixar a sepultura, resolveu pronunciar uu discurso de despedida. No auge da falação, «Capacidade elevada» perdeu o equilíbrio e caiu na cova e se viu em dificuldades para “se safar” da embaraçosa situação, o que fez, graças a ajuda dos “irmãos” presentes, todos em estado ds «instabilidade».b

Depois do difícil salvamento "Capacidade” se dirigindo ao colega morto' .como que contrariado gritou:

•— Esta não meu chapa, me deixe em paz. Vá sozinho. Por favor não me apareça mais.

Ainda um pouco apavorado, saiu se benzendo com um “eu, heim?”.

Os companheiros como que, traumatizados, se dirigiram à primeira quitanda para tomarem «um trago» a título de esquecimento da «tragédia».

Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 17/01/1980

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