quarta-feira, 17 de junho de 2009

O talismã da cigana do Abaeté

RIO — Lá se vão alguns anos. Estava eu em Salvador para assitir as tradicionais festividades em louvor ao maior e incontestável líder dos bahianos que é Nosso Senhor do Bonfim. Comigo a patroa e o neto mais velho. Estávamos gozando uma mordomia digna dos mais destacados buro-técnocratas do atual Brasil, hóspedes que éramos dos afilhados Sidney e Márcia dos Santos, um casal ajustado por uma compreensão hoje desaparecida sob a capa de uma sociedade moderna, principal fator da degradação e violência registradas nos últimos tempos.

Foram dias inesquecíveis passados no bairro Vasco da Gama, enfeitados pela graviciosidade da dupla Venese — Neuma, do casal, criados dentro do estilo mesclado com um ameno rigorismo adotado nos velhos tempos, limitando ao excesso naturais de uma criança.

Na época assistimos o belo espetáculo foclórico da Lavagem do Adro da Igreja do padroeiro dos bahianos, cujo ato nos fez esquecer as peripécias para chegar a colina, só possível graças a habilidade de um motorista acostumado a tais situações. A lavagem é uma festa pagã já que as bahianas encarregadas da ação, com suas ânforas floridas e perfumadas, entoam cânticos evocativos às entidades dos seus terreiros de candomblés. A lavagem como a procissão marítima em louvor ao Senhor dos Navegantes são festas inesquecíveis.

Depois da maravilhosa Festa da Colina fiquei como possuído de grandg astral como dizia o saudoso jurado TV, José Fernandes, ao dar Nota a um caouro razoável. Naquele dia era capaz de dar Nota DEZ ao Rubens Antônio, meu filho que, submetido a um "teste para participar de coral da Escola Técnica Nacional, foi desaprovado em todos os níveis do registro vocal, não passando inclusive como ouvinte.

Possuído de tamanha euforia fui dar uma "olhada" na encantada e encantadora Lagoa, mundialmente conhecida através das canções do bahianíssimo Dorival Caíme. Já conhecia o local antes da invasão indiscriminada das empresas imobiliárias que acabaram se , “apossando" dos melhores pontos da vasta orla marítima que circula a cidade, edificando hotéis sofisticados.

Ao sair do ónibus ''Praça Sete-Itapoã" como que fomos assaltados por um bando de ciganas, das mais variadas idades. "Vacinado" para estas emergências consegui ir desviando das zíngaras. Estas iam reduzindo seus preços pelo trabalho de desvendar os segredos do futuro alheio. O "desvio" foi verdadeiro de super-homem, no dizer do chefe dos "trapalhões". Terminada a luta com as quiromantes voltei a atenção para o Lagoa. Fui logo sentindo seu abandono, imune que estava de fiscalização. Lá estavam à vontade, lavando seu carro e um burrio, dois elementos em substituição as tradicionais lavadeiras que davam um florido à paisagem pontilhada da alvas dunas, quase todas desaparecidas pela voragem das empresas imobiliárias. A Lagoa como que "encolheu" e a água escura de que falava Dorival já atinge a borda do lago, tal a sujeira deixada impunemente pelos motoristas e carroceiros. Como a situação foi objeto de reclamações da imprensa não sei se persiste o abandono.

Regressando ao ponto de ónibus recomeçou a "ação" das ciganas. Resolvi então atender aos chorosos apelos das "advinhas, me dirigindo a cigana mais velha do grupo dando-lhe uns trocados matéria principal para a leitura das mãos, A velhota coprichou começando pelo passado com algumas "'revelações" do trivial de cada um de nós, o mesmo acontecendo quanto ao futuro quando só via coisas boas pra meu lado. Terminando, com ares de mistério, a quíromente tira qualquer coisa do bolso e enrolando num pedaço de papel amarrotado e velho, quase sussurrando pede cuidado para não perder o “Talismã" que ia me dar sorte.

No outro dia desembrulhei o ”pé de coelho". Era uma semente de Flamboião que me acompanha até hoje jogado na minha "007".

Não sou superticioso mas que aquela semente da Lagoa do Abaeté tem me dado sorte? Isto tem e como tem dado sorte.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 15/01/1981

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