quarta-feira, 17 de junho de 2009

O divórcio e as eternas desavenças.

RIO — Sou eleitor incondicional do senador Nelson Carneiro; Inicialmente ncs idos de 1950, quando da sua candidatura ao Legislativo carioca pela União Democrática Nacional, pelo srimples e convincente fato de se tratar de um conterrâneo e depois, devido a sua campanha em favor da implantação do divórcio no Brasil. E olhe que sou bem casado há cerca de 45 anos .

O senador depois de uma oposição árdua, dirigida pelos católicos, con seguiu seu intento e, com isto, uma, podemos dizer, cadeira cativa na alta Câmara, contrariando um grupo de adversários poderosos, como se verificou na última eleição.

Mas será que o divórcio solucionou o problema dos maus casados?

De modo geral, creio que não. De iato uma boa parte dos casais aeísu-justaáos, mas de situação financeira previlegiada, conseguiu solucionar seu problema que, através de uma viagem ao México, já estava resolvido, porém a maioria, por motivos burocráticos e financeiros, continua no mesmo.

De modo geral a instituição do divórcio no Brasil foi um avanço, pois não era possível que, por motivos plenamente injustificáveis .nosso país continuasse na retaguarda da marcha vitoriosa, em quase todo o mundo, da legalização do distrato do casamento. Finalmente até na Itália o divorcio foi instituído, sem afetar a dignidade dos católicos.

Mas, apesar do divórcio, os problemas conjugais continuam. As brigas, os desentendimentos ,os atritos entre casais vão se repetindo e as separações em muitos casos, não serão legalizadas ,como era de se esperar.

Casos como o acontecido em Pontal, há muitos anos, quando um esposo enfurecido esfaqueou os órgãos genitais de sua companheira e dias depois estavam unidos outra vez, vão se repetir.

Raro de acontecer será o ocorrido na minha Belmonte-Bahia, onde um macumbeiro chamado «Pitoso», depois de separado muitos anos, da esposa e desta se entregar a "vida fácil", reiniciaram a vida como simples amantes. E o importante foi que, corno amantes, nunca mais brigaram.

Aqui, no Rio, tenho visto muitos casos de casais que vivem maritalmente se recusarem a casar, sob alegação de que após confirmarem o "até que a morte nos separe, o sossego do lar se transformará.

Diariamente os jornais publicam crimes ocorridos devido a ciúmes e infidelidades conjugais o que confirma o meu ponto de vista de que a luta pelo divórcio, encetada por Nelson Carneiro, em absoluto atingiu o objetivo do senador fluminense.

Há meses, um velho companheiro, morador em Realengo, quase meu vizinho, alegando incompatibilidade de gênios, só verificada após longos anos de união civil e religiosa, abandonou o lar e foi morar no interior.

Encontrando um conhecido, mesmo lamentando o ocorrido, se mostrou satisfeito com a separação. Durante a conversa confessou que, da separação, apenas sentia saudades do jardim da antiga casa, que ele cuidava com carinho,

O conhecido que era intimo do casal, imediatamente procurou a esposa-abandonada e, depois de um longo "pápó», informou sobre o encontro com o outrora companheiro e confidenciou o que ouvira acerca da separação e da saudosa lembrança do jardim.

A mulher ouviu pacientemente o «recados», sem demonstrar reação.

Mas no outro dia, pela manhã, mandou destruir o jardim.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 07/02/1979

O divórcio e as eternas desavenças.

RIO — Sou eleitor incondicional do senador Nelson Carneiro; Inicialmente ncs idos de 1950, quando da sua candidatura ao Legislativo carioca pela União Democrática Nacional, pelo srimples e convincente fato de se tratar de um conterrâneo e depois, devido a sua campanha em favor da implantação do divórcio no Brasil. E olhe que sou bem casado há cerca de 45 anos .

O senador depois de uma oposição árdua, dirigida pelos católicos, con seguiu seu intento e, com isto, uma, podemos dizer, cadeira cativa na alta Câmara, contrariando um grupo de adversários poderosos, como se verificou na última eleição.

Mas será que o divórcio solucionou o problema dos maus casados?

De modo geral, creio que não. De iato uma boa parte dos casais aeísu-justaáos, mas de situação financeira previlegiada, conseguiu solucionar seu problema que, através de uma viagem ao México, já estava resolvido, porém a maioria, por motivos burocráticos e financeiros, continua no mesmo.

De modo geral a instituição do divórcio no Brasil foi um avanço, pois não era possível que, por motivos plenamente injustificáveis .nosso país continuasse na retaguarda da marcha vitoriosa, em quase todo o mundo, da legalização do distrato do casamento. Finalmente até na Itália o divorcio foi instituído, sem afetar a dignidade dos católicos.

Mas, apesar do divórcio, os problemas conjugais continuam. As brigas, os desentendimentos ,os atritos entre casais vão se repetindo e as separações em muitos casos, não serão legalizadas ,como era de se esperar.

Casos como o acontecido em Pontal, há muitos anos, quando um esposo enfurecido esfaqueou os órgãos genitais de sua companheira e dias depois estavam unidos outra vez, vão se repetir.

Raro de acontecer será o ocorrido na minha Belmonte-Bahia, onde um macumbeiro chamado «Pitoso», depois de separado muitos anos, da esposa e desta se entregar a "vida fácil", reiniciaram a vida como simples amantes. E o importante foi que, corno amantes, nunca mais brigaram.

Aqui, no Rio, tenho visto muitos casos de casais que vivem maritalmente se recusarem a casar, sob alegação de que após confirmarem o "até que a morte nos separe, o sossego do lar se transformará.

Diariamente os jornais publicam crimes ocorridos devido a ciúmes e infidelidades conjugais o que confirma o meu ponto de vista de que a luta pelo divórcio, encetada por Nelson Carneiro, em absoluto atingiu o objetivo do senador fluminense.

Há meses, um velho companheiro, morador em Realengo, quase meu vizinho, alegando incompatibilidade de gênios, só verificada após longos anos de união civil e religiosa, abandonou o lar e foi morar no interior.

Encontrando um conhecido, mesmo lamentando o ocorrido, se mostrou satisfeito com a separação. Durante a conversa confessou que, da separação, apenas sentia saudades do jardim da antiga casa, que ele cuidava com carinho,

O conhecido que era intimo do casal, imediatamente procurou a esposa-abandonada e, depois de um longo "pápó», informou sobre o encontro com o outrora companheiro e confidenciou o que ouvira acerca da separação e da saudosa lembrança do jardim.

A mulher ouviu pacientemente o «recados», sem demonstrar reação.

Mas no outro dia, pela manhã, mandou destruir o jardim.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 07/02/1979

O enterro do Capacidade elevada.

RIO — Há meses, os jornais desta Capital, noticiaram elogíosamente, a homenagem póstuma.do Bairro de Fátima — um recanto de moradores da classe média que está lentamente desaparecendo na voragem da inflação — na popularíssima e tradicional Lapa, prestada a um dos seus personagens populares, componente de uma destas turmas que vivem perambulando pelas ruas vivendo de pequenas contribuições para satisfazerem seus vícios, o maior dos quais uma cachacinha, que para muitos, apenas “um trago”, serve para “resolver” seu caso.

O boa vida" homenageado, moço de recados e "pombo correio” dos bicheiros da área e que, por estes motivos, se tornou popular havia falecido o a comunidade do Bairro de Fátima se reuniu para prestar-lhe a «última homenagem», fiancindo seu funeral, evitando que fosse sepultado como indigente. Uma espécie de recompcnsa pelos «serviços prestados» à coletividade. Finalmente o morto, para eles, era «pau pra toda obra».

A homenagem me fez lembrar um popularlssinio personagem que vivia vagando pelo Gameleiro, conhecidissímo que era na «zona» e toda a área compreendida entre a Rua do Filtro até u Plano inclinado. Como o morto de Fátima, vivia de gorgeta, por pequenos serviços inclusive transportando água para as residências já que o serviço ainda era precaríssimo, apesar da assiduidade com que Darin fazia a cobrança nas casas pelo abastecimento do precioso líquido.

O homem do Gameleiro se chamava «Capacidade Elevada». Um verdadeiro folgazão que espalhava alegris na Ilha das Cobras pronunciando discursos e conversando fiado com os transeuntes. Tinha seu lado bom. Nunca se apresentava contrariado e nem gostava de pronunciar palavrões, nem quando «acossado» pela molecagem, hoje o “modismo” que atinge a todas as camadas e idades.

Numa quarta-feira de cinzas “Capacidade elevada” faleceu num pardieiro situado na Praça Cairu, perto do barracão onde Manoel Goiana bancava um víspora, mesmo em frente da Estação da State. A notícia ocorreu célere em todo Gameleiro e como o filósofo não tinha família foi sugerido que o sepultamento fosse feito às expensas dos moradores da área. Mesmo porque “Capacidarde” não tinha família e já era muito ter onde «cair morto». Foi muito fácil fazer o levantamento do numerário para as despesas e mais fácil ainda, consegui a cobertura para financiar o «lubrificante» pura manter a «desolação» daqueles que iam participar da sentinela, todos "amigos da opa”.

O velório foi qualquer coisa de sensacional, com Deusdedite das Carroças, comandando o time das anedotas. Se o velório foi animado, o enterro nem se fala. Parecia um préstito carnavalesco, com os acompanhantes, na maioria, ainda fantasiados, fazendo o «préstito» parar constantemente para a devida lubrificação que, em momento algum, faltou .O sepultamento foi no arenoso cemitério do Pontal, onde os menos afortunados encontravam mais fácil sua última morada.

Ali, no “campo santo” pontalense, dias antes havia sido enterrado um amigo de «Capacidade», cujo acompanhamento seguiu o mesmo ritual do «Boa. Vida» mas sem a mesma concorrência do recém-falecido.

Lá estava “Capacidade” levando o companheiro do peito que, quando o corpo ia baixar a sepultura, resolveu pronunciar uu discurso de despedida. No auge da falação, «Capacidade elevada» perdeu o equilíbrio e caiu na cova e se viu em dificuldades para “se safar” da embaraçosa situação, o que fez, graças a ajuda dos “irmãos” presentes, todos em estado ds «instabilidade».b

Depois do difícil salvamento "Capacidade” se dirigindo ao colega morto' .como que contrariado gritou:

•— Esta não meu chapa, me deixe em paz. Vá sozinho. Por favor não me apareça mais.

Ainda um pouco apavorado, saiu se benzendo com um “eu, heim?”.

Os companheiros como que, traumatizados, se dirigiram à primeira quitanda para tomarem «um trago» a título de esquecimento da «tragédia».

Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 17/01/1980

O preço do batizado era 5 mil réis.

RIO — Seguindo a tradição da minha família, estou alistado entre os católicos do apostolado romano, mais ou menos praticante. Assisto, sem regularidade, atos da igreja, mas nos ofícios em intenção aos que partiram para o além, faço questão de estar presente.

Sou do tempo em que «a oração que Cristo nos ensinou», começava com «Padre Nosso» e, no texto: «perdoai as nossas dívidas», assim como nós perdoamos aos nosso.devedorés», substituídas por «Pai Nosso…» e «perdoai as nossas ofensas..... »

Em Belmonte conheci vários padres, dentre eles Altino ( o político), Barreto, Granja ( o matador de andorinhas), Emílio (o que efetuou meu casamento), João Clímaco e, sobretudo, Evaristo Bitencourt. Este transferido de Ilhéus, depois da demolição da igreja de São .Sebastião, no Largo do Vesúvio, onde está erigido o magestoso templo, graças a Iniciativa de dom Eduardo Herberold, venerado, pela população ilheense.

Ainda me. lembro da visita a Belmonte do Bispo de Ilhéus, D. Manoel de Paiva, chefe espiritual de vasta região sul-bahiana promovida pelo padre Evaristo. Do que foi a estadia do santo padre à cidade tenho grata recordação, inclusive por ser "participante das festividades, como músico da Lira Popular. O saudoso bispo foi o celebrante da missa solene em louvor à N.S. do Carmo, padroeira local. Naquele tempo as festas religiosas eram brilhantes e arregimentavam católicos de toda a região do Jequitionha.

Foram três dias de homenagens a D. Manoel de Paiva, que se hospedou na residência da Professora Maezinha Guimarães, na Rua Mal. Deodoro, hoje parcialmente destruiria pelo rio. Nas saídas e nos regressos de sua Eminência a Lira e a 15 de Setembro se revezavam, acompanhando o visitante, tendo à frente suas comissões de diretorias. Os ofícios religiosos eram assistidos por centenas de fiéis, que se preparavam para o acontecimento religioso.

De uns tempos para cá o 16 de Julho perdeu àquele esplendor. Apenas reduzido número de religiosos mantém a tradição, comparecendo aos ofícios devidamente preparados. Pará nós, os belniontenses, que residimos «fora da terra», a festa, além do aspecto religioso, proporciona encontro com velhos conterrâneos para os «papos» recordativos, o que compensa enfrentar os 112 quilômetros de uma péssima estrada que separa a BH-101 da nossa cidade.

Padre Evàristo era conhecido pelo seu «grande amor» ao dinheiro. Era intransigente no cumprimento de sua tabela de preços para celebrar Santos Ofícios de encomenda. Missas festivas, fúnebres ou de corpo presente, acompanhamentos de enterros, alem de casamentos, batizados, crismas, novenários ou consagração, eram tabelados sem direito a redução.

Anualmente havia visita pastoral ao interior do município, começando por Boca do Córrego e findando em Pedra Branca, (hoje Itapebi). De permeio, paradas em vilas e fazendas, onde os fiéis se reuniam para batismos e casamentos além das tradicionais missas.

Numa dessas visitas pastorais, padre Evaristo, depois da peregrinação, passou dois dias em Pedra'Branca, ficando creio, na casa dos Stolzes, já que não aceitou o convite para ficar na Fazenda Estrela do Norte, de Cel. Juca de Vicente, chefe político da região.

O movimento foi intenso. Muitos batizados, casamentos, crismas, etc...

Othon Souza, filho, de Juca de Vicente, estudante em Salvador, escolhido para batizar um filho do tropeiro da sua fazenda, resolveu pegar urna peça em padre Jüvarïsto, procurando-o para «acertar o preço da cerimônia».

Chegou «desconversando», «enrolando" até que o pároco entendeu onde queria chegar o futuro padrinho e antes que Othon «abrisse o jogo», foi logo .dizendo: «Não filho. O batizado é 5 mil réis».

De pronto o filho de Jucá de Vicente como que surpreso retrucou: É só 5 mil réis padre? Pensei que fosse mais».

Abriu o envclope e retirou 3 notas de 5 e só deixou uma.

A reação do padre foi notada peia transformarão da sua fisionomia.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 26/09/1979

O primeiro cacaueiro da Bahia

RIO — Quando das comemorações dos 88 anos da emancipação de Itabuna, repetiu-se a omissão, já verificada por ocasião do aniversário da fundação de Ilhéus; Nenhum registro sobre onde e quando foi plantado o primeiro cacaueiro no Estado da Bahia.

Nos "Informes Especiais", publicados nos jornais aqui do Rio, sobre os -mais diversos assuntos mesclados de anúncios e dados das mais importantes organizações existentes naqueles dois importantíssimos municípios bahianos, nada sobre quando e onde foi plantado o primeiro cacaueiro na Bahia, o principal fator de desenvolvimento da região e a maior fonte de divisas do Estado .

Num dos ditos "Informes", quando do aniversário de Itabuna, Foi publicado que ''se em meados do século passado, Felix Severino do Amor Divino, Manoel Constantino ou cel. Firmino Alves, decidissem não fixar i:a faixa litorânea e seguirem rio aclmr.., derrubando matas e plantando as pri- -meíras mudas de cacau, Itabuna certamente não seria hoje, ao completar 68 anos de emancipação política, a principal cidade da região-cacaueira".

Por este tópico, fica a impressão de que, as primeiras mudas de cacau, na Bahia, foram plantadas, por aqueles pioneiros, na região de Itabuna, o que não é absolutamente certo, como seria declarar que Ilhéus era possuidor de tal privilégio

O primeiro cacaueiro, do Estado da Bahia, foi efetivamente plantado no município de Canavieiras e, precisamente, numa fazenda de nome "Cubículo", às margens do Rio Pardo, sendo que a sua semente foi trazida do estado do Pará, há mais de duzentos anos, ou seja em 1746,

O proprietário da Fazenda ora o sr. António Dias Bibeiro e a pessoa que lhe presenteou a preciosíssima planta foi um francês chamado Luis Frederico Warneaux.

Plantado, por sagurança, perto da casa do fazendeiro, o cacaueiro logo que começou a dar os primeiros frutos, suas sementes foram espalhadas pelas margens dos rios Pardo e Jequinha para depois atingir as áreas ribeirinhas do Almada, Cachoeira. Una Mirim e Rio de Contas.

Em 1928, por sugestão do dr. Francisco Borges de Barros, na época diretor do Arquivo Público do Estado da Bahia, o então prefeito de Canavieiras, sr. Francisco Mangiein, assentou ummarco comemorativo junto ao velho cacaueiro, que ainda deve existir .

Estes dados sobre o primeiroa cacaueiro plantado no Estado da Bahia, foram extraídos de um velho recorte do "Diário da Tarde", datado de 1938.

A industrialização da casca"do cacau tem como pioneiro, no início deste século o fazendeiro Macedônio Cardoso, no município de Belmonte e que residia na localidade de Boca do Córrego, da qual fabricava vinagre, vinho, licor e da sua polpa, a saborosa geléia, conhecidissima depois que os Barachos, de Água Preta, começaram a fabricar em larga escala. Hoje existem vários fabricantes de geléias mas que suprem apenas o comércio da região cacaueira.

A primeira fábrica instalada na região para o aproveitamento integral da fruta do cacau e com capacidade de suprir larga íaisca do mercado internacional foi a Vitória, que teve como seu primeiro diretor o saudoso industrial Hugo Kauffman.

Infelizmente, sob a alegação de que não pôde enfrentar o poder econômico das multinacionais, a Fábrica Vitoria está anunciando o encerramento das suas atividadss, justamente ao ultrapassar a barreira dos seus 50 anos.

É mais um capítulo do esvaziamento de Ilhéus.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 06/09/1978

O talismã da cigana do Abaeté

RIO — Lá se vão alguns anos. Estava eu em Salvador para assitir as tradicionais festividades em louvor ao maior e incontestável líder dos bahianos que é Nosso Senhor do Bonfim. Comigo a patroa e o neto mais velho. Estávamos gozando uma mordomia digna dos mais destacados buro-técnocratas do atual Brasil, hóspedes que éramos dos afilhados Sidney e Márcia dos Santos, um casal ajustado por uma compreensão hoje desaparecida sob a capa de uma sociedade moderna, principal fator da degradação e violência registradas nos últimos tempos.

Foram dias inesquecíveis passados no bairro Vasco da Gama, enfeitados pela graviciosidade da dupla Venese — Neuma, do casal, criados dentro do estilo mesclado com um ameno rigorismo adotado nos velhos tempos, limitando ao excesso naturais de uma criança.

Na época assistimos o belo espetáculo foclórico da Lavagem do Adro da Igreja do padroeiro dos bahianos, cujo ato nos fez esquecer as peripécias para chegar a colina, só possível graças a habilidade de um motorista acostumado a tais situações. A lavagem é uma festa pagã já que as bahianas encarregadas da ação, com suas ânforas floridas e perfumadas, entoam cânticos evocativos às entidades dos seus terreiros de candomblés. A lavagem como a procissão marítima em louvor ao Senhor dos Navegantes são festas inesquecíveis.

Depois da maravilhosa Festa da Colina fiquei como possuído de grandg astral como dizia o saudoso jurado TV, José Fernandes, ao dar Nota a um caouro razoável. Naquele dia era capaz de dar Nota DEZ ao Rubens Antônio, meu filho que, submetido a um "teste para participar de coral da Escola Técnica Nacional, foi desaprovado em todos os níveis do registro vocal, não passando inclusive como ouvinte.

Possuído de tamanha euforia fui dar uma "olhada" na encantada e encantadora Lagoa, mundialmente conhecida através das canções do bahianíssimo Dorival Caíme. Já conhecia o local antes da invasão indiscriminada das empresas imobiliárias que acabaram se , “apossando" dos melhores pontos da vasta orla marítima que circula a cidade, edificando hotéis sofisticados.

Ao sair do ónibus ''Praça Sete-Itapoã" como que fomos assaltados por um bando de ciganas, das mais variadas idades. "Vacinado" para estas emergências consegui ir desviando das zíngaras. Estas iam reduzindo seus preços pelo trabalho de desvendar os segredos do futuro alheio. O "desvio" foi verdadeiro de super-homem, no dizer do chefe dos "trapalhões". Terminada a luta com as quiromantes voltei a atenção para o Lagoa. Fui logo sentindo seu abandono, imune que estava de fiscalização. Lá estavam à vontade, lavando seu carro e um burrio, dois elementos em substituição as tradicionais lavadeiras que davam um florido à paisagem pontilhada da alvas dunas, quase todas desaparecidas pela voragem das empresas imobiliárias. A Lagoa como que "encolheu" e a água escura de que falava Dorival já atinge a borda do lago, tal a sujeira deixada impunemente pelos motoristas e carroceiros. Como a situação foi objeto de reclamações da imprensa não sei se persiste o abandono.

Regressando ao ponto de ónibus recomeçou a "ação" das ciganas. Resolvi então atender aos chorosos apelos das "advinhas, me dirigindo a cigana mais velha do grupo dando-lhe uns trocados matéria principal para a leitura das mãos, A velhota coprichou começando pelo passado com algumas "'revelações" do trivial de cada um de nós, o mesmo acontecendo quanto ao futuro quando só via coisas boas pra meu lado. Terminando, com ares de mistério, a quíromente tira qualquer coisa do bolso e enrolando num pedaço de papel amarrotado e velho, quase sussurrando pede cuidado para não perder o “Talismã" que ia me dar sorte.

No outro dia desembrulhei o ”pé de coelho". Era uma semente de Flamboião que me acompanha até hoje jogado na minha "007".

Não sou superticioso mas que aquela semente da Lagoa do Abaeté tem me dado sorte? Isto tem e como tem dado sorte.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 15/01/1981

O mais bairrista dos belmontenses

RIO — Não é pequena a "colônia" Belmontense aqui na bela Cidade Maravilhosa, onde, em quase todos os setores de atividades, está presente um componente nascido na cidade sulina da região cacaueira baiana. Na magistratura, no comércio em geral, em empresas privadas ou estatais, nas forças armadas, enfim os baiano, de Belmonte, como se diz na giria "estão em todas” e, o que é importante, desempenhando as suas atividades com destaque.

Consíantemente, em reuniões comemorativas de algum evento, em qurlquer ambiente, um "conterra"', invariavelmente "puxa" assuntos referentes a cidade que fica encravada entre o Atlântico e o.seu eterrno "algoz"' o Rio Jequitinhonha. Nestes "colóquios" é que sentimos quão felizes e realistas foram os poetas que cantaram em prosa e versos, os bons tempos da "minha infância querida que os anos não trazem mais" ou afirmando que "as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá e, ainda quando se dirigindo espcificamente a cidade sulina revela que "Belmonte e jóia baiana, cidade cheirando a flor”

Tais contatos, principalmente: entre conterrâneos afastados há longos anos de sua cidade, em busca de uma melhor condição de sobrevivência já que o mercado de trabalho da terra é pequeno, se transforma em verdadeira higïene mental, Os componentes da reunião, na sua maioria estão realizados, com bons empregos, aposentadorias satisfatórias, inclusive com seus dependentes já encaminhados.

Quantas reminiscências nestes encontros, pois a juventude ,de modo geral, proporciona momentos inesquecíveis e as façanhas realizadas no tempo da irresponsabilidade ficam gravadas para sempre.

Eu, por exemplo, saudosamente, me lembro da beata Saiú, cuja vida era praticamente, na igreja que, certa vez me deixou surpreso, com os palavrões e impropérios, quando me "flagrou", em seu quintal"afanando'' goiabas. Como é que vou esquecer das saborosas mangas da Mariquinha Tabaco Doido. As surras que minha avó Maria Amélia me deu devido a queixas dos "mais velhos” jamais esquecerei. Os bailes da Ponta de Areia e da Preguiça e o "Bate Barriga" de Liodoro a luz de "fífós”, não me saem da lembrança. Coisas como estas são sempre lembradas quando> nos reunimos.

Mas, dentre nós, porém, se destaca o hoje avô Aloísio Ludgero, para mim e, talvez para todos os belmonsens aqui domiciliados, é o mais bairrista. Um ótimo companheiro e melhor "papo"'. É daqueles que conseguem facilmente entabular conversação com qualquer estranho, principalmente nos coletivos, começando, quase sempre, falando de futebol para exaltar o seu clube do peito. O Fluminense.

Aloísio, em fins da década de 1940, resolveu se transferir de Belmonte para fixar residência no Rio de Janeiro. Depois de se desfazer dos pertences e deixar o emprego, contra a vontade do empregador "se mandou" para esta bela Metrópole. Aqui chegando, talvez pela saudade, ccmeçou a fazer as mais absurdas comparações entre as coisas do Rio e da nossa pequenina Belmonte. Não atinava sobre o ridículo a que estava exposto, tal a convicção com que falava. Efetivamente estava convicto de que tudo de bem e do melhor estava mesmo na nossa terrinha. Tanto assim, que não se sossegou enquanto não voltou para Belmonte.

Chegando a Belmonte onde, para ele, estavam os melhores jogadores de futebol do mundo, as melhores festas, os melhores músicos, em pouco tempo caiu na realidade Primeiro, não encontrou emprego. Depois, a ausência de alguns amigos e, por fim, o elevado custo das utilidades. Não teve outro jeito senão realizar a viagem de volta.

Hoje aposentado, Aloísio não pensa em voltar para a cidade natal, porém todos os anos, juntamente com esposa, sua conterrânea, faz uma visita a nossa terra que continua ser a melhor do mundo, mas...

Ela lá e ele aqui, corno aquela canção popular.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 26/04/1979

Octávio Moura ─ Um jornalista nato.

RIO — Primeiro foi Carlos Monteiro, anos depois Eusínio Lavigne e agora Octavio Moura.

Assim, com a morte do seu último remanescente, findou-se a trinca de ouro de redatores que. por dez anos-constituia o corpo redacional. Do cinquentenário "Diário da Tarde"', cujos artigos, pelo seu estilo, modificou por completo o tom agressivo adotado pela imprensa, na época.

Octavio Moura ingressou no Diario, em janeiro de 1928, vindo de Salvador, por indicação de amigos e colegas do jornalista Carlos Monteiro, diretor do jornal, ainda hoje instalado no mesmo prédio da Rua Marquês de Paranaguá, cujo primeiro número circulou no dia 10 de fevereiro daquele ano. Trabalhou ininterruptamente por cerca de 46 anos após o que foi afastado por motivo de saúde, a mesma que o vitimou, passando a direção, que vinha ocupando há mais de 30 anos, para o sr. Francisco da Silveira Dórea, proprietário da empresa e um dos seus fundadores juntamente com Carlos Monteiro, Eusínio Lavigne e Alcino Dórea.

Estou vendo Octavio, com. os seus 18 anos de idade, cheio de vida, chegando à frente de quatro gráficos, que tiveram que ser "importados", surgindo ao lado do prédio em frente a redação, onde funcionavam, no térreo o escritório da firma Atahyde & Barreto e no segundo andar, a agência do Lloyde Brasileiro. Desembaraçado, voluntarioso, bem falante, dando a certeza de que se adaptaria a linha de independência traçada pela direção do novo jornal. De fato as previsões foram plenamente confirmadas.

Os gráficos "importados” de Salvador e como o jornalista vindos por um navio da "Bahiana”, eram: Albérico, Teixeira, Rocha e Aristotelino. Os três primeiros compositores e o último impressor.

Octavio Moura assumiu a direção do "'Diário" em 1938, quando Carlos Monteiro se transferiu definitivamente para Salvador. Para o jornal esta mudança de direção nada alterou, pois com mais experiência o novo diretor comandou a folha com brilho invulgar por muitos anos, até quando surgiu indícios da doença e com ela começou a desaparecer àquela vivacidade e ánimo, tão apreciados pelos ilheenses.

Além da doença, creio, ou melhor tenho certeza de que outros problemas afligiam o velho companheiro das primeiras horas do "Diário". Nas minhas periódicas visitas a Ilhéus, vinha notando o seu declínio que, segundo informações de amigos que o visitaram em Salvador, atingiu até a memória.

Não teve, infelizmente, a capacidade de, na ocasião certa, "dar a volta .por cima.

Estou vendo Octavio, na praia do Sul, no Pontal, montar numa motocicleta sem saber manejá-la e impetuosamente, se atirar ao chão deixando a máquina se deslizar na areia.

Me lembro ainda, numa excurção de Guarani F. C. a Itapira, na chegagada do trem, ao saudar os locais, iniciando o discurso, com as seguites palavras: "Povo de Itapira, viemos aqui para vencer" frase que mal terminada, foi recebida com um aparte: "Se puder..."

E ele aproveitando a deixa, responde:

— "Sim, viemos vencer, não na disputa da partida mas, vencer os corações do povo desta terra! ..."

Nestes dois fatos estão a impetuosidade e a inteligência, daquele garoto que vi chegar a Ilhéus numa manhã de janeiro de 1928 e para quem, do outro lado da vida, onde está, desejo muita paz.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 13/09/1978

Os 42 do Coronel Alfredo Matos.

RIO ─ No livro do ex-Secretárío da Fazenda do Estado da Bahia, Manoel Evangelista de Brito "Cartas a J Duarte", registrado ha tempos por esta coluna, há um relato, pelo qual confirmo o ditado de que o castigo vem a cavalo. Hoje já se diz que vem a jato.

O escritor lembra que quando era escrivão da Coletoría Estadual em Belmonte, candidatando-se a vaga de Coletor, foi "barrado" pelo então Intendente Municipal Cel. Alfredo Matos que, sob a alegação de que o pretendente era jovem e nem siquer possuidor do título de eleitor — naquele tempo não era obrigatório a apresentação de tal documento para tais casos — indicou para a vaga seu secretário Cel. Odorico França mesmo porque, justificava o chefe do executivo, seu "protegido" tinha uma ortografia bonita.

Não alcançando seu intento Brito se transferiu para Canavieiras onde, anos depois, foi nomeado Coletor, posição alcançada pelos próprios meritos.

Derrotado pelo seu opositor Cel Hermelino de Assis, Alfredo Matos foi para a Velha e tradicional Santa Cruz, tornando-se agricultor, cultivando piaçaba que periodicamente exportava para Salvador e Rio de Janeiro.

Certa vez o ex-Intendente, apareceu em Canavieiras com um carregamento do seu produto para o envio ao então Distrito Federal. A viagem Belmonte a Canavieiras, por causa da maré, retardou um pouco ocasionando a chegada depois de pronta a "papelada" para liberar o navio atracado no porto. O cororiel se dirigiu a Coletoria para ver se "quebrava o galho" e aproveitava o navio. Chegando a repartição estadual "deu de cara" com Manoel Brito na chefia do órgão, que poderia ser a sua "salvação da lavoura". Efetivamente com a sua proverbial boa vontade, tudo foi feito como "mandava o figurino" e a mercadoria foi despachada e enviada ao Rio de Janeiro.

Ao agredecer, Brito lembrou a ocorrência verificada anos atrás em Belmonte para dizer ao ex-chefe do executivo belmontense que quem estava agradecido era ele, pois não fosse a preterição em favor de Odorico J França, talvez ali em Canavieiras não pudesse retribuir, com o seu ato o bem recebido devido a sua transferência Mas no relato da ocorrência, o ex-Secretário da Fazenda, faz ligeira menção ao famoso "Grupo dos 42", formado sob a complacência do Cel. Alfredo Matos e de triste memória, já que foi uma página negra da história política do município sulino. Os seus componentes, todas as noites realizavam verdadeiras "caça" aos adversários políticos, tendo como o principal visado Aristóteles Duarte, negociante estabelecido com uma panificadora, correligionário incondicional do Cel. Hermelindo de Assis (Mili), justamente o que substituiu Alfredo Matos na chefia do executivo belmontense, determinando o esfacelamento do Grupo, cujos componentes desapareceram da noite para o dia.

Ao ler o livro de Manoel Evange1ista de Brito, procurei fazer um levantamento dos componentes do "Grupo dos 42" que certa vez, eliminou erradamente um jovem, pensando ser Julião São Pedro, músico da Lyra que, na época pertencia aos oposicionistas. Iniciei uma pesquisa durante minhas periódicas viagens a Belmonte, para assistir a festa em louvor a Nossa Senhora do Carmo.

Não foi fácil a tarefa a que me propus, já que poucos são os sobreviventes dos idos de 1910 a 1920, quando dos fatos. Estes poucos me forneceram informações incompletas, pois não consegui levantar a identidade além de cerca de 21, o que já foi muita coisa. E desta relação apenas uns 15 foram participantes efetivos da indesejável turma, que não tinha um chefe propriamente determinado, já que todos eram considerados como tal.

Nas minhas investigações apurei que participavam dos "42", dentre outros os seguintes elementos: Ascendino, Aramacã (doméstico do Intendente), Bandeirinha (em momentos de farra), Diolindo, Cassemirão, Cecílio (Fiscal Municipal) Maneca Araújo, Felipe Santiago que agrediu o representante Federal Dr. Epifânio Conceição), Gabrielzinho (agrimensor), Euzébio Quebra-Vara, Genésio, Terêncio Batista, Satu Benfica, Maciel Santana e José Cotó (oriundos da Lyra Popular) José Joaquim, Hilário Santos, Sérgio, Luizinho da Matildes, Tenente Mariano e Hormindo Dendê.

Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 14/10/1980

Os baianos já não são mais aqueles

RlO — Os baianos de Salvador, já não são mais aqueles radicais defensores da tradição da primeira Capital do Brasil, tão respeitados pelas autoridades que, muitas vezes bateram em retirada, dando última forma em decisões administrativas que iam contrariar a opinião popular.

Quem não se lembra da extraordinária campanha dos baianos em protesto a derrubada de uma frondosa árvore, na Praça Castro Alves, onde mais. tarde foi construído o prédio da "A. Tarde", na confluência das ruas Chile, Carlos Gomes e Castro Alves? Mais recentemente foi a reação contrária a substituição do calçamento irregular da Rua J.J. Seabra, a afamada Baixa do Sapateiro, por asfalto que, como a Sé, finalmente levou de vencida a população. Porém nestes dois casos o povo já não contava com os mais destacados líderes das décadas anteriores a 930.

Sabem o motivo que levou os baianos a protestarem e evitarem a derrubada da árvore do topo da Ladeira da Montanha? Nada mais nem rnenos devido ter sido sob as suas frondosas ramagens que o grande tribuno e intelectual, Ruy Barbosa, iniciou a sua campanha civilista, como candidato da oposição ao Marechal Hermes da Fonseca, á presidência da República, em 1910.

Os protestos valeram e a árvore não foi sacrificada e só desapareceu de velha. No mesmo local existe outra bastante crescida e conservada pela população

Naquela época tais reações eram normais, resultando, na maioria das vezes, em vitória do povo. Não só na Bahia mas em vários recantos do Brasil.

Aqui mesmo no Rio, certa vez, José Lopes Trovão liberou uma campanha popular, e venceu, contra uma decisão ao primeiro presidente da República de aumentar em 20 réis o preço das passagens. Posteriormente foram realizadas e com êxito campanhas contra a carestia, por destacados políticos tais como Maurício de Lacerda, Pedro Ernesto e tantos outras.

Hoje, infelizmente, não presenciamos tais reações em favor do povo que parece estar órfão, se limitando a, desencantado, ouvir Paes Mendonça, o representante dos super-mercados reagir contra a anunciada tentativa do Governo Federal de congelar os preços das utilidades por 60 dias.

Voltamos a impassividade dos baianos.

Há dias fiz uma rápida visita a Salvador, na qualidade de membro do Conselho Permanente dos Congressos dos Aposentados da Previdência e vi, desolado, a Lagoa do Abaete. Está completamente abandonada. As dunas que a circunda estão desaparecendo no mesmo ritmo da Lagoa, em beneficio de edificações íeitas sem prévios, estudos. O local está abandonado e até automóveis estão sendo lavados nas águas escuras, transformadas em verdadeiro charco.

Verifica-se, com certa estranheza, a desenvoltura das incorporadoras, que vão tomando conta de toda a cidade, sem respeitar a paisagem nem os mo­numentos .

Não podemos deixar de elogiar a ação das entidades imobiliárias em Salvador, desbravando áreas e construindo prédios mõdcrníssimos nos mais variados setorss da cidade, porém causa espécie como o governo deseja a orla marítima, em toda a sua extensão, ocupada por sofisticados hotéis em prejuízo da paisagem.

Os pequenos cabos existentes, que vão da cidade até Itapoan, estão tomados por uma incorporadora, feita de capitais nordestinos, segundo me informaram, A organização é responsável pelos «Hotéis Marte».

O prestigio da incorporadora é tão grande que os baianos temem que ela, dentro de pouco tempo, substitua o Farol da Barra e o Cristo, com mais grandes hotéis.

E os que assim pensam têm lá suas razões, pois os dois tradicionais monumentos ficam na principal área de ação da empresa que é em Ondina.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 08/06/1979

Os bons tempos dos Tenentes Delegados

RIO — Há dias tomei conhecimento da trágica morte de Arsênio de Souza, velho conhecido, dos bons tempos em que, invariavelmente, as delegacias policiais do interior baiano eram ocupadas por tenentes da Polícia Militar. Pessoa equilibrada e de uma educação aprimorada, o nosso tenente Arsênio fazia parte de uma turma de tenentes espalhada pelo Sul baiano da qual participava, dentre outros "os tenentes Salomão Rheu, Alfredo Coelho e Isaías Reis, todos com passagem pela delegacia de Ilhéus, prestando segurança. e defendendo a integridade física dos componentes da população.

Pelo que soube a morte do estimado, policial foi consequência do seu cavalheirismo. Notando que uma senhora, em estado interessante, estava mal acomodada no coletivo em que viajava, cedeu seu lugar a passageira, sendo atingido pelo desastre, já que o impacto foi atingi-lo justamente na vaga pertencente, momentos antes, a passadeira. Isto é o que todos nós chamamcs de destino. Porem para mim, o antigo delegado foi vítima da delicadeza que sempre o acompanhou.

O Salomão Rhem também é da estirpe do rseu companheiro morto. Trata-se de elemento que sempre se manteve equilibrado, raro se deixando trair pelos excessos tão naturais em autoridades policiais, dada a sua formação. De Alfredo Coelho e Izaías Reis, notava-se uma diferenca sobre os dois primeiros, devido a algumas intervenções quando no cumprimento do dever, mas eram exaltações passageiras e, de modo geral, os quatro podiam ser enquadrados no time daqueles que costumamos chamar de «boas praças».

O então Alfredo Coelho que estava como delegado especial em Belrnonte corn a função de defender as autoridades constituídas presididas pelo Washington Luiz, em 1930, quando da vitória da Revolução de Outubro daquele ano, consta que foi o primeiro a usar o tradicional lenço vermelho do movimento getulista. Em Canavieiras era voz corrente que o Almerindo Rhen foi ajudado por um sargento da polícia, na sua ascenção na Polícia Militar e que só depois de "ajudar" Salomão, deu "uma mãozinha” ao sargento que apesar de ter alguma influência na tropa, continuou, por muito tempo a “marcar passo”.

O meu contato maior foi justamente com o tenente Izaías Reis que, soube depois, pedira baixa da polícía, num ato impensado e muito trabalho, depois, para conseguir a reintegração.

Acompanhei algumas diligencias policiais, como repórter, dirigidas pessoalmente pelo Tenente lzaías. sendo a mais emocionante a do “Crime dos Carilos”. um dos mais trágicos ocorridos na década de 30 O modo humano como o delegado orientava seus subordinados para remover as vitimas, ao meu ver, resultou na recuperação ´das quatro pessoas da família do vendedor ambul.nte Ezequiel, deixadas pelos bandidos, como mortas. O transporte das vítimas em caminhão efetvamente não fosse bem orientado ersultaria, sem dúvica, em suas mortes.

Certa vez, com um grupo de amigos, fui a uma macumba no Iguape. O camdomblé se anunciava, animadíssimo, com muita comida «adendezada» e bastante bebida, pois ia haver uma matança. A função seria num amplo quintal e lá chegando tudo estava preparado para o grande momento, à meia noite. As panelas com caruru e vatapá exalavam o tradicional cheiro do dendê. Os tabuleiros com acaçá, abará e acarajé aguçavam nosso apetite. Quase na hora aprazada para começar a festança, chega a polícia, tendo a frente o tenente Izaías que deu voz de prisão a todos.

Ao me ver pergunta que estava fazendo e ouvindo a resposta de que estava fazendo reportagem. ele mandou que ficasse ao seu lado, o mervusmo fazendo dois dos meus companheiros: Carlos Rogaciano e Osvaldo Mota.

De outra feita, fui solicitar ao Tenente Izaias que soltasse Turiba um «biribano» gazeiteiro que jogava no meu time «Guarani», pois naquele dia .o clube jogaria e o ponta esquerda havia sido preso no Alto da Conquista, como participante de um «sururu». Para dramatizar a situação disse que o detido estava na cadeia há mais de 24 horas, sem culpa formada. Izaías reagiu dizendo que não tinha nada com 24 horas.

Como não deu solução procurei o Deputado federal e chefe político Artur Lavigne. que mandou um cartão ao delegado, pedindo que me atendesse.

O delegado lendo o cartão exclamou: Estes políticos...

E, mandou Manoel Alves, comandante do destacamento soltar Turibio.


Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 06/07/1979

Os escoteiros belmontenses em Ilhéus

Àquele não era, efetivaente, o primeiro «raid» .pedestre dos Escoteiros de Belmonte. A meninada belraonten-se ia havia participado da revoada que o saudoso Assis Chateubriand promoveu, na década de 1930, para hastear o pavilhão Nacional, no local, em Santa Cruz; onde foi rezada a primeira missa no Brasil, a 22 de Abril de 1500. Na época, aí em Ilhéus, recebi uma lembrança do acontecimento, representada por um pequeno pedaço do tradicional Pau Brasil. Mas, em 1940, a turma, formada de garotos de 10 a 12 anos, resolveu prestar uma homenagem a Ilhéus, comparecendo em junho daquele ano, as festividades comemorativas, cujo ponto alto eram a ínauguração do Ginásio e do Estádio «Mário Pessoa», realizando uma caminhada de três dias, utilizando transporte, apenas nas passagens dos rios Pardo, Una, Barra Nova e Cachoeíro, este na última travessia Pontal-Ilhéus.

O grupo foi idealizado e formado pelo hoje funcionário aposentado Etelvino Flores, com a colaboração de uma turma de rapazes, dentre os quais tomaram a direção do movimento, que nasceu da Campanha dos Ginásios Gratuitos, responsável pela formação moral e intelectual de grande número de jovens espalhados por este Brasil.

Ainda .me lembro da chegada, na Ponte da Praça Firmino do Amaral, cerca de 12 horas, surpreendendo ao grande número de curiosos, principalmente pelo físico dos Escoteiros que traziam três irmãos, destacados pela particularidade de ser o menor, chamado o Pequeno Polegar, o maior de nome Corinto e a garota da turma chamada Rita.

Ao rufar dos tambores e comandados pelos chefes Darío e Waldeck, marcharam garbosamente para o Grupo Escolar da Praça Castro Alves, onde ficaram aquartelados, com exceção da bandeirante Rita, hospedada em minha residência.

Foi notada a presença animada de um .padre que, com esfusiante alegria participou, segundo nos foi informado de toda a caminhada, dando uma força moral ao grupo.

O prefeito da cidade, dr. Mário Pessoa, prestou integral assistência aos belmontenses, considerados hóspedes oficial de Ilhéus.

No dia da inauguração do Ginásio Municipal, realização do dr. Eusinio Lavigne, terminado sob a gestão do dr. Mário Pessoa, desde cedo, os Escoteiros se dirigiram à Fonte da Cruz, onde. em frente ao Colégio, fizeram várias demonstrações de ginástica, enquanto aguardavam a hora da inauguração. Com a chegada das autoridades os responsáveis pela garotada, informaram que seus componentes estavam preparados para responderem qualquer pergunta sobre história cio Brasil.

Do grupo ilheense, dr. Heitor Dias, hoje senador da República, e naquela oportunidade gerente local da Caixa Económica, se propôs a testar a anunciada capacidade cívica dos lobinhos e, para tal, escolheu justamente o «Pequeno Polegar» cuja idade não passava de 11 anos.

Fez uma pergunta sobre fatos históricos do País. A resposta na «ponta da língua», com detalhes «avançados.» para a idade do sabatinado, motivaram expressivo elogio ao grupo.

Mais tarde, na inauguração do «Estádio Mário Pessoas, sob aplausos da numerosa torcida .os escoteiros fizeram algumas demonstrações de ginástica, que seriam repetidas depois no Quartel da Polícia Militar, convidados que foram pelo seu comando.

A demonstração dos Escoteiros de Belmonte-Ba, refletiu a capacidade cívica e moral dos seus dirigentes que impuseram uma disciplina aos seus comandados, talvez bem difícil nos tempos de hoje.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 22/12/1978

Os médicos dos bons tempos

O homem estava pobremente vestido, já havia percorrido quase toda a cidade. Iniciava a sua «Via-Crucis», aonde muitos que tinham problemas iguais aos seus, na Praça Castro Alves Daí na Rua Araújo Pinho, batendo primeiro no Bar do Martinho, depois na casa da Amália, Tudo em vão. Porém, a necessidade de encontrar àquele, que seria a sua «salvação da lavoura» o forçara a enfrentar o temporal.que caía sobre a cidade. Ia tentar mais um local, como a última, cartada. Se dirigiu ao Largo do Unhão, mais precisamente no cabaré de João Grande. Efetivamente não poderia entrar naquela sofisticada casa de diversões, onde a jogatina e o mulherio imperavam. Seus trajes o impediam e o jeito era implorar a ajuda de qualquer "habituee" da casa.

Finalmente estava ali o homem que ia lhe socorrer. Tinha certeza absoluta de que seria atendido o que realmente aconteceu.

Ao primeiro recado surgia o velho e boníssimo Dr. Lopes que descendo as estreitas escadas de cimento, foi ao encontro da pessoa que o procurava.

Tratava-se de um pescador. Precisava dos serviços do popularíssimo e solícito médico-parteiro. Sua esposa, no pontal, estava em dificuldades. Já havia passado a hora do nascimento de seu filho, sem que a parteira conseguisse resolver a situação.

Sobraçando sua maleta com os instrumentos necessários, o velho médico se dirige ao cais da Praça Firmino do Amaral onde um pequeno escaler lhes esperava. Embarcou na frágil canoa e a travessia perigosa, devido ao temporal, feita pelo nervoso pescador, chegou ao fim sem incidentes

Parto laborioso que terminou com o dia claro, O pescador agradecido, fez questão de acompanhar, de volta no seu escalar, o bom médieo que notara o estado de pobreza do casal, possuidor de outros filhos ainda menores. Depois da travessia, menos perigosa, pois o temporal já havia terminado, ao saltar, Dr. Lopes sentiu que o seu "cliente" estava querendo falar alguma coisa além do pagamento tradicional que costumava receber ou sejas «Deus te Ajude». Diante da indecisão o médico perguntou o que queria. Acabrunhado respondeu: "É que o senhor esqueceu de pagar a passagem…

Este episódio que todo o mundo conhece aí em Ilhéus, me foi relatado, aqui em casa, no Realengo. Diante do meu espanto, o velho Lopes, com aquele riso característico, esclareceu:

─ Senti de perto a miserabilidade do lar que acabara de visitar e a cobrança era nada mais de que a necessidade que imperava no seio da família que os 2 mil réis ia amenizar.

Era assim o Bom Médico, um verdadeiro exemplo de humanismo hoje raramente verificado, entre a classe médica, cuja maioria absoluta visa apenas o «vil metal» e que pôs acima de tudo, inclusive o solene juramento no ato da sua formatura, o interesse pecuniário.

A prova desta afirmativa foi o inusitado movimento grevista dos residentes, na defesa de um alto salário, não condizente com os baixos salários recebidos pela massa trabalhadora. É bom. esclarecer que a residência, nos hospitais é dada aos recém formados para que os mesmos, em determinado período, adquiram a necessária experiência para melhor desempenho de suas futuras atividades, que por tradição devem ser exercidas o máximo de humanismo.


Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 22/08/1979

Os pretos no futebol ilheense

— Segundo os jornais, só agora o selecionado inglês terá, no seu quadro, um jogador negro.

Esta notícia, naturalmente vai surpreender muita gente mas, representa o reflexo do que foi o futebol nos primórdios, inclusive no Brasil, onde havia um certo preconceito contra os negros, uma vez que os clubes formados no século passado e até nas primeiras décadas deste, tinha como lema que futebol deveria ser praticado por elementos da sociedade, particularmente por brancos.

No Brasil, quem quebrou este «tabu", foi o Vasco da Gama, quando cm 1923, ao alcançar a primeira divisão, incluiu na sua equipe o crioulo Ceci, oriundo de um clube de Engenho Novo, que disputava peladas", chamadas aí no sul-bahiano «babas» ou «rachas»

Depois os outros clubes adotaram a mesma providência vascaína, inclusive o Fluminense que, nos idos de 40 contratou Bigode, um dos grandes jogadores brasileiros, figurando diversas vezes na seleção nacional e que até hoje carrega a fama negativa de ter proporcionado a "Ghigia"' a dar o Campeonato Mundial de 1950, aos uruguaios.

Más se o tricolor contratou Bigode para a sua equipe, não abriu excessão para que os seus jogadores profissionais pisassem nos seus salões durante suas festas sociais. Neste sentido, ainda é lembrado o incidente ocorrido com o excelente jogador bahiano Pedro Amorim, já bacharel porém profissional do quadro, impedido de participar de uma festividade social do clube.

No Flamengo, o popularíssimo, na época não fugiu a regra. Também existia o preconceito, que se estendia até na escolha dos associados.

Mas tudo é coisa do passado e o preto, depois da Lei Afonso Arinos, é recebido em todas entidades esportivas até, é o caso de se dizer, na rcprcsentacão inglesa.

Dentro do assunto não podemos deixar de lembrar, o cidadão Pelé, lídimo representante brasileiro em todos os quadrantes.

Em Ilhéus, no início também houve a predominância de "brancos nos clubes locais, onde se destacava o Satélite, de funcionários do Banco do Brasil formados, e depois, de estudantes. Depois teve que se curvar a evidência incluindo na sua equipe alguns crioulos, dentre os quais Manoelito Silva, que chegou a ser seu treinador, o chamado técnico, hoje. Lá também passou o "mignon" Pipiu.

No Flamengo estavam Jorge, Rafael e Rogério, dentre muitos pretos e "mulatinhos rosados".

Mas, nesta crónica, quero render uma homenagem aos pretos do Vitória, representados pela família Soares Lcpes. No rubro-negro, entre Dominguinhos e Deouro, estavam os Lopes, capitaneados pelo Aloisio Lopes, o "Lulu Lopes''. Lá estava o Lopeu, estava o Tusca estava o «Seu-Vaga», Olhos do humanitário Dr. João Soares Lopes, o torcedor número um do Vitória, que também mantinha no seu quadro o extraordinário Neneu, da endiabrada ala Januncio-Neneu ou Neneu-Jagúncio, a maior ala esquerda ilheense, de todos os tempos.

Lá em minha Belmonte também existiam bons jogadores negros, porém apenas vou destacar uns dois. Filó, um grande ccntro-médio, conhecido de Ilhéus, como também o foi Zé Hugo, que findou seus dias em Salvador, quase abandonado, depois de passar pelo Bahia.

Em Belmonye estavam os crioulos Mururé e Badu.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 13/12/1978

Os restaurantes “Flexas” da BR-101

RIO — Posso dizer dizer que conheço todos es tipos de condução, através de viagéns que tenho realizado ern vários Estados da Federação. Desde o "russo-canela" até o avião, passando por canoas, lanchas a motor, navios, barcaças, automóveis, inclusive caminhão.

Hoje, lembro saudosamente as romarias a Porto Seguro em louvor a Nossa Senhora d'Ajuda, participando em grupos, numa caminhada de 13 léguas, daquelas ditas "de beiço", atravessando, Mugiquiçaba, Santo António, Santa Cruz Cabralia até chegar na tradicional cidade, hoje transformada em atração turística, ligada a BR-101 com bem cuidadas estradas.

Ainda tenho na memória o primeiro desastre de caminhão, em Belmonte as o primeiro caminhão chegado à cidade, de propriedade de Morenito, o fazendeiro Adelino Ribeiro da Costa. O referido caminhão, recém-chegado na cidade, estava cheio de soldados do Tiro de Guerra 595, quando numa curva fechada em frente a Matriz do Carmo, tombou, matando uma criança que viajava clandestinamente no estribo, traumatizando toda a cidade.

Como presidente da mais antiga agremiação de aposentados ─ Associação dos Inativos da Indústria ─ participando "ativamente" dos Congressos Estaduais promovido pelas quase cem entidades," por todo o país, no sentido de chamar a atenção dos Constituídos sobre a vexatória situação dos inativos, infelizmente, renegados a sua própria sorte e que anualmente vêm sofrendo reduções dos seus proventos que, nos últimos anos, chegaram a mais de 65 por cento,

Agora mesmo, como membro da Comissão Permanente dos Congressos dos Aposentados, estava em Salvador, que vai ser sede do V Congresso. A viagem de ida foi pela ''Itapemerim", a. maior empresa de ônibus de Brasil que conheci há anos. O roteiro foi pela BR-116, a Rio-Bahia, hoje estendida até o Norte do País. Viagem comum com paradas em Vitória, Itaobim, Valadares, Teófilo Otoni, Vitória da Conquista, Jequié, Feira de Santana, e, finalmente; Salvador. Com a excessão de Governador Valadares cujo ponto de apoio e fora do centro da cidade mas com algumas opções para o passageiro, as paradas são em Estações Rodoviárias.

Na volta resolvi fazer o trajeto pela BR-101, a chamada litorânea. O ônibus foi a "Penha" uma subsidiária de Itapemerim. A viagem em si, não é má, mas as paradas para café, almoço e janta, continuam um tormento, dado o isolamento a que é obrigado o passageiro, isto porque as paradas obrigatórias são feitas na rede de restaurantes "Flexa" localizada em locais ermos, não dando nenhuma opção, ao viajante que tem de se submeter aos preços impostos pelos seus proprietários, apesar da tabela, sempre vistosa, trazer o aval da SUNAB.

O Churrasco Rodizio a preço alto e os refrigerantes, em quase todos os restaurantes, acondicionados em latas, motivam fraudes pois parece até que os mesmos são liberados. Em garrafas só para os motoristas. Em alguns pontos, existem restaurantes com preços mais razoáveis, porém localizados estrategicamente, como que forçando o viajante a usar o salão principal que, de fato é convidativo, pela aparência. As lojas de lembranças trazem os mesmos artigos.

Há uma diferença enorme entre o ''Flexa de Feira de Santana e o "Flexa" de Vitória. O primeiro podemos dizer que está entregue as moscas, tal o mosqueiro e a relativa falta de asseio. A situação dos dernais restaurantes vai melhorando a proporção que se avança, para o Sul. Em Gandu, Itabuna, Itagimirim, Itamaraju, São Mateus e Vitória, o acontecimento vai gradativamente melhorando, inclusive nos preços, cujas mercadorias, raramente, têm preços redondos. Os artigos sempre apresentam uma fração de centavos, sempre "arredondados" para cima, pois os 5 centavos não existem em nenhuma caixa da rede "Flexa".

Uma excessão honrosa para os motoristas. Ótimos profissionais.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 11/06/1979

Os últimos vestígios da “State”.

RIO — JORNAL DA MANHÃ nos traz a notícia do inicio da demolição da sede da Estação Ferroviária da Estrada de Ferro de Ilhéus à Conquista, construída há mais de 70 anos, na Pimenta de Baixo, nas imediações da nova Praça Cairu, hoje, segundo o mesmo jornal transformada numa imensa garagem.

Há meses, nesta coluna, me refe­ri como foi idealizada a construção da tradicional ferrovia do cacau, desativa da inexplicavelmente pelo então Ministro da Viação Juarez Távora, mas que os ilheenses tomaram como revide aos parcos votos recebidos na região quando o chefe da revolução de 1930 se candidatou a Presidência da República, creio, para suceder ao marechal Eurico Dutra e foi fragorosamente derrotado por Getúlio Vargas. Mas o fato prejudicou a lavoura cacaueira e, quando da elevação do preço do petróleo, há poucos anos, veio confirmar o erro da medida que atingiu muitos ramais igualmente desativados e que deixou milhares de funcionários em disponibilidade remunerada.

Depois de desativada, os responsáveis pela guarda dos pertences da ferrovia acharam por bem cercar a estação através de um muro anti-estético que tomava aos pedrestes uma enorme área, felizmente demolida para os trabalhos da remodelação da Praça Cairu.

No local da Estação surgirá um moderno edificio-sede da Ceplac, que lidera, ou melhor que orienta e auxilia a lavoura cacaueira.

Na área, há muitos anos, existia uma feira permanente, com pequenos barracos, além de um campo de futebol, onde os ferroviários, nos intervalos das etapas diárias e mesmo aos domingos realizavam «babas» dos quais surgiram extraordinários jogadores, tais como Janúncio, Neneu, Manoel da Hora, Domínguinhos além de outros «menos votados» como Bitatis, Bode de Duca e Turiba. Foi naquele campo que surgiu a idéia de fundar o Guarani que deu muita dor de cabeça nos tradicionais clubes da cidade.

O prédio mais importante construído, na Pimenta de Baixo era o do Cel. Ramiro Berbert de Castro, dono de toda a área e hoje completamente abandonado. Depois surgiu a fábrica de Chocolate de Hugo Kaufmann, antes mesmo da Cia. Industrial, dona do cais do porto, construir os terceiro e quarto armazéns. Perto da feira, existia um depósito de madeira, que tomava grande parte da área, um enorme areal.

Muitos amigos prestaram serviços a importante ferrovia em cujo escritório estavam Pedro Ribeiro e João Batista, tenentes do Tiro de Guerra 500, Humberto Ribeiro e Crescencia-nos Santos, representantes do Flamengo na LIDT. Também prestavam serviços a organização, inicialmente superintendida por mister Hull, que representava os acionistas ingleses, dos quais Bento Berilo conseguiu o apoio financeiro para a sua iniciativa, idealizada em 1905. Dos maquinistas destaco os velhos camaradas de excursões, Zé Gato, De Mola, Francisco e Paizinho. Dos fiscais, os ditos chefes de trens, ainda tenho na lembrança a figura media de Lapernet, tipo daqueles que nós chamamos de «Caxias», tal o rigorismo na conferência do «passe» e stickts» dos passageiros. O carona comia um grosso danado» com ele. Não deixava passar nada.

Lá estavam, nas oficinas, Censo, dos Batutas José Cerqueira, do Santa Cruz; Estermito, o grande remador do «State» e «Major», o exímio violinista da rua da Linha em frente ao Sétimo Céu ,onde se juntava a uma turma para exibir seu «virtusismo». Não posso me esquecer do Cantidio, o eterno revolucionário .

Costumava às 17 horas assistir a chegada dos trens de passageiros e comigo, invariavelmente, Adamastor Adami, «beque» do Flamengo. Numa tarde, estávamos apreciando o movimento e fomos acercados de duas pesssoas que humildemente nos pediu para acompanhar o enterro de um seu parente. Não fizemos de rogado e nos dirigimos ao vagão onde estava, o morto. junto ao qual não havia mais ninguém.

Efetivamente apenas nós quatro íamos compor o cortejo. O extinto era gordo e as alças do caixão foram postas ao contrário, ou seja, com o vinco pra cima.

Uma verdadeira odisséia. E o pior é que nem procuramos saber quem era o pesadíssimo defunto.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 10/11/1978

Pacífico do Amor Divino.

RIO ▬ Primeiro foi na pensão de dona Catarina, na Praça São Jorge, onde dentre outros, conheci Nelson Peixoto, o tabelião; Guimarães escriturário; Lustosa, do Ministério da Viação; Albano, classificador de cacau da firma Hugo Kaufmann e o te!egrafista acerfador de milhar; Navarro. De fato foram estes os primeiros companheiros na minha nova cidade — Ilhéus. Depois "me mandei" para a Ponta de Areia, ficando na Fonte da Cruz junto ao Estádio do Satélite, hoje "Mário Pessoa". Novos companheiros. Ali estavam mestres Eusébio e Alexandrino, companheiros da "opa". O último, pai de Palmer e Seu-deixa, bons jogadores de futebol, principalmente o primeiro um grande meia-direita, que poderia figurar em qualquer combinado do Brasil. Palmer veio para o Coríntians de São Paulo, onde apezar de meus esforços, não consigo localizá-lo. Outro jogador que morava em minha rua, Miss Pírangí um bom médio que formou, por muito tempo, a linha do Satélite; Miss, Mário e Menezes. Lá estavam, com sua quitanda, .Benedito e Feliciana que perderam um filho ;eltrocutado — Guará do Flamen­go — nas Usinas da Cia. de Luz e Força, em Castelo Novo. Também mo­ravam Vavá de Ananias e a família do saudoso Junot Almeida, bem como o filósofo Zé Fidélis que, apezar da marcação implacável de D. Rosa, não "dava pelota" para o azar. Não havia a Cidade Nova e a avenida Beira-Mar terminava nas imediações, um pouco mais dístante do Matadouro onde está localizada a sede do Clube Social, ia esquecendo de assinalar as trezenas-dançantes em louvor ao Santo Antônio, promovidas por dona Clara, nurna casa que dava fundos para o velho Campo da Linha.

Da Fonte da Cruz, após o casamento com D. Carminha, fui morar no Alto do Ceará. Novos companheiros. José dos Reis, da Prefeitura e Cecé da Recebedoria de Rendas, José Luiz comandando todos os anos as rezas da filha Rita, em louvor a Santo Antônio durante uma delas nasceu meu primeiro filho. Lá moravam os Benevenutos dos quais me tornei compadre da chefe, dona Alice: uma grande parteira, avalizada pelo Dr. Lopes. Faleceu aqui no Rio no mês passado, com 95 anos. A localização da casa, perto do cemitério, me proporcionava, nas noites chuvosas, evitar a rua que circundava a “última morada” dos ilheenses, que ficava intransitável. Em tais ocasiões, altas horas, passava por dentro do "Campo Santo", já que o seu portão principal ficava aberto, pulava o muro dos fundos perto da minha residência.

Por fim fui morar na Rua do Café numa casa assobradada do mestre de obra Honorato que pretendia comprar Lá aumentei o número de conhecidos.

Na parte alta residia um dos mais renitentes torcedores do Flamengo, o estivador Manoel Caboclo que, no campo, se "aboletava" atraz do gol adversário, cujo goleiro era obrigado a ouvir referências nada amistosas da sua genitora. Também era da rua do Café o ferroviário Zé Gato, maquinista conhecidíssimo tanto quanto o colega Francisco personagem do maíor desastre ferroviário da hstóría do "State", um pouco adeante do corte, nas imediações dos cajueiros de Isldro Lemos. Outro morador da rua era;o alfaiate Eugênio Bezerra, um abstêmio, mestre na fabricação de licor de genipapo, afamado em toda a cidade,. Em frente morava os irmãos que, como para contrariar, torciam para o Vitória, já que Bezerra era Flamengo.

Finalmente o personagem que da título a esta crônica: Pacífico do Amorim Divino. Um.crioulo magricela da quase dois metros de altura. Residia no Café, onde tinha uma vendoia. Palavra mansa, mas temido devido ser "gente do Senador Pessoa, que o empregou na Prefeitura corno porteiro. Gostava de fazer ''diligênciais” durante as rondas da polícia, quando os adversários" da situação levavam a pior, pois quando só era um cordeiro. Nas festas que realizava em sua casa, !á "para as tantas" se armava com uma espada tipo "rabo de galo", dos seus antepassados e começava a "vigiar os. convidados. Vez por outra "Estranhava" um participante que era obrigado a deixar a festa sob a ação, não muita católica do velho Pacifico.

Certa vez quis saber se de fato o vizinho havia morto um rapaz frente a sua residência, depois de urna discussão. A resposta veio rápida:

— Nada Capitão. Foi uma briguinha atoa. O rapaz tirou o canivete e, quando veiu em cima de mim caiu por cima da arma e morreu.

Pode crer que eu nunca fiz mal nem a uma mosca…


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 11/11/1980

Padre João ─Vigário de Belmonte.

RIO — O vigário estava tomando um banho de cuia, na casinha do interior cujo dono, por falta de acomodações, improvisou, na sala de jantar, uma divisão com duas toalhas, dependuradas num barbante. De repente, o padre se desequilibrou e ao procurar apoio na frágil divisão, se esparrama entre uma turma de fiéis que, pelo imprevisto da cena, começa a gritar, cobrindo o rosto e iniciando uma correria. Levantando-se com dificuldade e ante a assistência, o pároco exclama.

—. Afinal o que é isto. Será que vocès nunca viram um homem nu?…

São muitos es casos do personagem em pauta, o Padre João Clímaco, que acaba de falecer aí em Ilhéus, no hospital São José, onde estava internado há alguns meses.

Por quase quarenta anos, padre João comandou a freguezia de Nossa Senhora do Carmo, em Belmonte, on­de era queridísimo e que. segundo in­formações não teve a sua vontade sa­tisfeita, que era de ser enterrado no cemitério da cidade sulina.

Simples e comunicativo, o velho pároco era carioca do Meier. Em dias de festas, invariavelmente percorria todas as barracas situadas em frente a igreja do Carmo, na Praça na Matriz, Nas de jogo, desejando sorte aos apostadores nas de comestíveis e bebidas, participando das iguarias e, de vez enquando, provando uns aperitivos.

Certa vez, no novenário da padroeira, as cantoras, instaladas no alto do coro, iniciaram uma ladainha. Do altar; padre João Gritou: Esta' não. É muito grande assim eu não tenho tempo de assistir a minha novela.

Na missa festiva em louvor a Nossa Senhora do Carmo, naquele ano, resolveram instalar um serviço de alto-falante para que o santo ofício fosse ouvido pelas pessoas que não pudessem entrar na igreja. A santa cerimônia se desenvolvia normalmente quando o padre exclama para seu grupo de coroinhas:

─ Quem foi o corninho que soltou uma ''bufa'' aqui no altar?

Era mesmo imprevisível o saudoso vigário de Belmonte. Conta-se inúmeros casos de indiscrição do velho pastor que há anos, vinha demonstrando sinais de debilidade, porém insistindo em continuar à frente da chefia da tradicional igreja da Virgem do Carmo, celebrando o santo ofício da missa, no seu idioma tradicional, pois não se adaptou à reforma instituída pelo Papa João XXIII, apesar das constantes tentativas. Entretanto não podemos dizer que o pastor fosse um conservador.

Numa de suas visitas pastorais, pelo interior, padre João promoveu numa vila, um casamento coletivo, nos mesmo moldes feitos para crismas e batizados. Como sempre acontece nas visitas pastorais, muita gente das áreas vizinhas, apareceu para receber os sacramentos, acompanhadas de parentes e amigos, muitos quais se distraiam nos botequins e vendas.

Terminada a cerimônia do casamento, o padre nota que uma jóvem modestamente vestida, chorava. Procurou saber o motivo. Era que o seu noivo até aquele momento não aparecera . Depois de lamentar o ocorrido, o vigário se dirige aos presentes e pergunta: Qual o rapaz aí que quer casar?

— Eu, responde um assistente.

Depois de advertir a responsabilidade do seu gesto e receber a confirmação do candidato, o casamento foi cíctuado.

Segundo os presentes tratava-se de um rapaz trabalhador, o que foi comprovado através de um convívio feliz de muitos anos, do casal.

— Que diabo é isto? Vocês estão abandonando a padroeira da cidade devido a visita de Nossa Senhora D’Ajuda?

Foi esta a reação do padre João quando, em procissão comemorativa da visita da padroeira de Porto Seguro, Belmonte, e os fiéis locais quase em peso se acercavam da imagem visitante.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 14/12/1978

Paulo Gomes Verdadeira Parada

RIO — A titulo de colaboração tenho recebido de amigos e conterrâneos, correspondência referente a esta Coluna, contendo reclamações, elogios retificações, lembranças e sugestões. Retribuindo, os mais sinceros agradecimentos .

De velho contemporâneo, um apelo no sentido de que todas as vezes que citar Belmonte, não esquecer de apor a sigla da velha e tradicionalíssima Bahia. Penso que a idéia é evitar que algum leitor incauto, não confunda nossa cidade, banhada pelo outrora caudaloso Jequitionha, com as cidades do mesmo nome, existentes" em Pernambuço, Espanha (Província de Oviedo), ou em Portugal (Distrito de Castelo Branco). Uma espécie assim de separação do «joio do trigo». Justíssima a recomendação.

De outro atento leitor, lembrando que esqueci de mencionar nas «Reminiscências de Belmonte» as professoras Estefânia Biscardi e Costinha, que lecionavam respectivamente, na rua do Camba, esquina do beco São Pedro e Ponta de Areia. Também me foi lembrado a leiga Maria Helena, residente na hoje Avenida Sosígenes Costa, perto da Prefeitura. Um outro ratificando que o Sabiá do Coutinho, que falava, era um Japu. Domingão, o filosofo, Cardoso, o inveterado «pau d'água», Maria Xibinga e tantos outros tipos populares, constaram da correspondência que me lembrou de um médico forasteiro cuja rápida estada na cidade lhe proporcionou uma fortuna, assinando o óbito do velho Eustáquio da Praça São João, tradicional avarento da cidade.

Paulatinamente pretendo transportar para «Coisas Velhas e Novas», algumas das oportunas lembranças.

Hoje, por exemplo, aproveitando a «deixa», vou escrever sobre uma personagem, membro de tradicional família belmontense que, nos idos de 1910 até 1920 tornou-se popularíssimo, principalmente, por urna particularidade: Gostava de um «papo» firme para o qual tinha, assunto «pra nunca acabar». Voz macia e arrastada, seus «casos» eram quilométricos, devido aos seus «mínimos detalhes» que enfadavam os ouvintes, não deixando a estes qualquer oportunidade de intervir o até dificultando uma retirada do ouvinte que, depois, procurava evitar novo encontro.

Tratava-se do fazendeiro Paulo Gomes de Oliveira, primo irmão do senador estadual, da Bahia, Dr. Wenceslau Gomes de Oliveira, prestigioso político da República Velha, que nos primeiros momentos da vitória da Revolução de 1930, chegou a governar o Estado, por alguns momentos.

Seus conhecidos o evitavam, porém quando surpreendidos, não tinham jeito de escapar àquela conversa maçante e interminável que, por, questão de ética, eram obrigados a ouvi-la, mesmo contrariados.

Certa vez, Paulo Gomes solicitou de um conhecido que lhe emprestasse o cavalo em que estava montado. Atendido, o velho fazendeiro saiu trotando vagarosamente e, na primeira esquina, por azar do dono do animal, encontrou outro cavaleiro. A dupla foi conversando e, como o parceiro se dirigia à sua fasenda, Paulo Gomes o acompanhou e só apareceu no outro dia, pois resolveu ficar na fazenda do inesperado ouvinte.

Octavio Melo, escrivão da Coletoria Federal da Cidade, conhecia o Paulo Gomes. Um dia resolveu enfrentá-lo. Se preparou psicologicamente e, numa manhã promoveu o encontro, na porta da Coletoria. Preparado que estava, Octávio ia «puxando conversa». Ao meio-dia o «papo» estava animado. Ninguém notava o passar das horas. Já ao escurecer o escrivão não «guentou» a parada e ia batendo em retirada, quando Paulo Gomes, como que protestando, exclama:

— Por favor não se retire pois tenho um caso interessante para te contar e creio que você ia gostar...

Creio que foi a última vez que o escrivão pôs em jogo a sua capacidade de enfrentar a adversidade.


Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 21/12/1978

Perguntas ao ministro do Planejamento

RIO — Sou mesmo "gamado" pelas "Cartas dos Leitores'' aos Jornais. Qualquer "folha" que pego, vou imediatamente na seção da correspondência, onde, depois da abertura política, a "bronca" tem sido livre. A veracidade dos conceitos emitidos pêlos missí-vistas é medida pêlos desmentidos qua são raros e cheios de subterfúgios, provam que os escritores estão sempre cheios de razão.

Sou leitor assíduo do "Jornal do • Brasil". A primeira coisa que faço ao comprar a veterana gazeta é ler a sua décima página onde estão inseridas as opiniões do leitor, tendo como abertura, nas três colunas, satíricas "charges" assinadas por Zíraldo e Chico.

Em face da situação em que o povo — "tadinho do povo" — é esupidamente explorado, por comerciantes de todos os matizes, para os quais não existe fiscalização a vávula de escape é a imprensa e, por incrível que pareça, ninguém toma providência e desta maneira os donos de estabelecimentos comerciais, desde a simples quitanda aos "hipers" supermercados, passando pelas farmácias o drogarias, estão "jogando soltos" e àquela maquinazinha que trabalhava nas caladas das noites ou nos depósitos, perdeu a cerimônia e acintosamente funciona, a todo o vapor, na frente do freguês com tamanha desenvoltura que não tem tempo de retirar a marcação do preço anterior, feito momentos antes, sob as nossas vistas,

O pior de tudo isto é que não adianta fazer qualquer reclamação parecendo até que as autoridades "deixaram" de mão, ou melhor deixaram seus governados no "mato sem cachorro" e "deram tempo" aos funcionários da SUNAB, cuja açâo é completamente nula.

Mas voltemos as ''Cartas". Há 'dias um gaúcho chamado José Raymundo Rosa, através do JB enviou uma série de perguntas ao Sr. Delfim Neto, o poderoso Ministro do Planejamento. Muitas indagações são tipo "casca de banana em cimento liso". Achando que o desabafo do missivista representa aquilo que muita gente gostaria de dizer, pssso adiante a palavra do gaúcho:

— Quantos filhos o sr. tem? Já pagou aluguel de casa? Já preencheu alguma- solicitação de emprego? O senhor sabe o que é um contrato de trabalho? E uma Carteira Profissional? Já optou pelo Fundo de Garantia alguma vez? O senhor conhece o artigo 165 da Constituição? Sabe o que é responsabilidade social? Sabe o que é dignidade de um pai, O senhor conhece "carnet" de mensalidade de colégio? Já Teve em uma feira? Alguma vez na vida já entrou e fez compra em um supermercado? O senhor conhece um supermercado? Conhece ou alguma vez elaborou um orçamento doméstico? O senhor sabe o que é humildade e/ou intelectual? Alguma vez na vida ]á se sentiu fora de lugar ou colocando outras pessoas mais destacadas em situação constrangedora?

Naturalmente algumas destas perguntas teriam imediatamente respostas e até convincentes do Ministro do Planejamento que é realmente uma pessoa inteligente e de fácil percepção. Pois ele não vem dizendo constantemente que a inflação será reduzida, enquanto sentimos justamente o contrário? Outras porém ele sairia solenemente "'pela tangente", tais como visitar feiras e supermercados, ou mesmo "carnet" de colégio, já que no seu tempo de esiudante talvez tenha frequentado o ex-Colégio Padrão Pedro II onde tudo ou quase tudo era grátis, ao contrário de hoje que, sob o manto de fundação, tudo é pago.

O fato é que, numa situação como a atual, a coisa está mesmo "braba" para muita gente já que os gananciosos exploradores, apesar dos apelos constantes do nosso Presidente, prosseguem na sua insaciável e bem sucedida tragetória de obtenção de lucro fácil, mesmo sabendo a maioria dos assalariados já não podem comprar feijão, leite e o tradicional pão e manteiga, cujos preços liberados pelo Ministro do Planejamento, cada vez se atualiza a resposta do primeiro magistrado, quando indagamos o que faria se ganhasse um Salário Mínimo:

─Daria um tiro na cabeça…


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 28/11/1980

Prestes quis sustar o levante de Natal em 1935

RIO — Nas minhas peregrinações em campanhas por melhores dias para os beneficiários da Previdência Social, que, estão sofrendo, todos os anos, reduções — que já vão além de 50 por cento — nos seus proventos, em relação aos índices oficiais relativos à inflação, tenho tido contato com companheiros dos mais variados credos; políticos e religiosos que, irmanados na nossa luta, emprestam uma colaboração valiosa ao movimento que, infelizmente, não vem apresentando resultados satisfatórios, já que os poderes constituídos fazem «ouvidos de mercador» às nossas justas pretensões.

Direitistas, católicos, esquerdistas, crentes e ateus, participam desta luta, todos defendendo, muitas vezes; com excessivo ardor, a nossa, podemos dizer, sobrevivência não só através de novas leis, mas que as leis existentes não sejam como até agora, desvirtuadas, através de regulamentos e normas elaboradas por técnicos e burocratas, muitos dos quais nunca tiveram contato com os seus dirigidos, para tomarem conhecimento das suas; necessidades.

Acho salutar estas reuniões pelo contato anual com companheiros. O reencontro nos Congressos é uma festa que conforta a todos.

Os debates calorosos na defesa, das teses apresentadas, sempre terminam em suaves «bate-papo» na hora, do recesso, quando confidênciais são reveladas aos companheiros, de fatos ocorridos há tempos, principalmente em campanhas políticas e em defesa das suas ideias.

Ouvir um integralista ressentido ou um comunista arrependido com companheiros desertores é uma constante.

Certa vez, no Rio Grande do Sul, velho companheiro dos primeiros Congressos, me fazia uma profissão de fé Integralista, como fiel seguidor de Plínio Salgado considerado, para ele, um gênio e acreditando que as suas ideias eram salvadoras, e evitariam os acontecimentos de 1964. Nunca se negou a obedecer as 'ordens emanadas do Partido, inclusive investigando e descobrindo responsáveis por determina da ação contra seus chefes.

Porém, o que mais- me impressionou foi o revelado por antigo ativista do Partido Comunista, acobertado pelo nome de Aliança Nacional Libertadora. Elemento de confiança, era uma espécie de«pombo correio», organizando sindicatos na Região Norte com um cognome qualquer.

Teve uma incumbência que diz nunca mais esquecer. Em meados de Novembro de 1935, foi enviado ao Rio Grande do Norte, com ordens expressas de Carlos Prestes para evitar a eminente Intentona do Natal, onde a onda de descontentamento popular era grande, contra o governador Juvenal Lamartine, que tinha, na época, como seu secretário de segurança João Café Filho. Em plena atividade estava na capital potiguar Silo Meireles e Otacílio.

Ao chegar a Natal, o enviado de Prestes foi envolvido pelo movimento e não pode cumprir às ordens do chefe; pois os adversários do governador haviam tomado conta da situação, deixando, inclusive Café Filho sem o apoio do 21º Batalhão de Caçadores, cuja tropa, devido ao atraso do pagamento dos seus soldados, por dois meses, apenas obedecia as ordens do sargento Clementino, enquanto um sapateiro de nome Praxedes, inflamava os trabalhadores sem ser incomodado

Sem ação o velho «pombo correio» se rendeu a evidência e, no dia 24 de Novembro de 1935 ao ouvir o sinal combinado teve que se reunir aos seus companheiros e participar do movimento que durou 4 dias.

Foi destacado para a secretária das finanças e tomar conta do numerário do Estado, autorizando imediatamente o pagamento da tropa que, irmanada com a população tomou conta da cidade

O velho ativista que não conseguiu cumprir o mandado de Prestes, apesar de ter sob seu controle milhares de contos de réis, não se apossou de, um real e lembra de muita gente que ficou rica com o movimento, enquanto o idealista, como o identifico hoje, sobrevive com uma aposentadoria adquirida depois de trinta anos de trabalho na construção civil.

Naturalmente, os dois citados é o que poderíamos chamar de radicais, mas sinceros, roubando uma frase do presidente Geisel.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 13/09/1979.

O homem que matava “Pinto andando”

RIO ─ Muita gente — principalmente os residentes nos grandes cen­tros, não acredita em olhos maus, cuja força magnética, é capaz de «matar

pimenteira». Na maioria dos casos os metropolitanos não levam em considcração as histórias de «mau olhado», mesmo ouvindo com atenção os fatos relatados de acontecimentos, tipo dos relatados no programa radiofônico "Fantástico, Incrível e Extraordinário", do velho Almirante.

Da minha parte, devo confessar que não era muito inclinado a acreditar em tais «fantasias», apesar de ser «fan» absoluto da arte de prestigiação, onde o artista faz «misérias, deixando todos nós de boca aberta, inclusive na execução do número de levitação, o máximo em hipinotismo. Porém, corno outro fato não há argumento, tive que me render as evidências. Para justificar minha mudança de ponto de vista, relato nesta crônica um caso ocorrido aqui em Realengo, do qual foi protagonista um nosso conterrâneo ilhense.

Em fins da década de 20, me transferi de Belmonte-BA, para Ilhéus onde já estava o grande centro-médio belmontense Filó, que jogava no quadro do Vitória. Trabalhava ele como oficial alfaiate com o saudoso Gregório, do violino. Na alfaiataria, onde quase todos os dias fazia ponto, também trabalhava João Chagas, com os quais fiz camaradagem.

Por motives particulares, o Petronilho, mais conhecido por "Dosinho", se mandou para a então Capital Federal, onde fixou residência, sem entretantp nos comunicar seu endereço.

Logo depois, em fins de 1942, deixando o “Diário”, vim morar aqui no Rio onde, por ocasião de me inscrever para uma das casas do Conjunto Residencial de Realengo, do ex-Instituto do Aposentadorias e Pensões dos Industriários, me encontro cora o velho alfaiate, reatando a camaradagem iniciada na alfaiataria do Gregõrio, naquele tempo situada na rua Pedro II. Dosinho gostava de criar em seu quintal animais ete galos de briga, pois o seu esporte era justamente botar ga'os para brigar, motivo porque dava um tratamento especial aos galináceos, mantidos com rações adequadas e aves, principalmente galos de briga, pois seu esporte era justamente botar galos para brigar, motivo porque dava um traamento especial aos galináceos, mantidos com rações adequadas. Era bastante relacionado com os companheiros das diversas rinhas espalhadas na região de Bangu, chegando até a construir uma arena aqui em Realengo, de sociedade com um outro galista bahiano e também alfaiate Adolfo Souza, um ótimo companheiro, já falecido.

Petronilho tinha orgulho da sua criação e fazia questão que seus companheiros visitassem o seu "mini"' zoológico, onde além das bem cuidadas gaiolas dos galos de brigas, existiam porcos e capivaras.

Certo día; um seu parceiro de rinha lhe fez uma visita e com ele um amígo, que dizia ser admirador de animais. Dosinho não perdeu tempo. Foi logo convidando os dois para urna visita a sua criação, o que foi logo aceito pelo colega, mas recusado pelo seu companheiro. O alfaiate não se conformou com a recusa e insistiu no convite. Depois de muita relutância, o rapaz disse que temia pela vida do seu galo o mais elogiado dos animais. Não poderia fitá-lo ,pois de certa feita, em caso idêntico, um bonito passarinho de um seu conhecido, foi vítima da sua admiração.

Não acreditando na confissão do rapaz, o alfaiate ilheense se respon-eabilitou pelo que acontecesse. Podia olhar a 'sua criação. Ante a decisão do criador, todos se dirigiram ao quintal e passaram em revista o ''mini Zoo"

Ante a beleza do elogiado galo de briga, a turma demorou em frente a gaiola depois do que se despediu, prometendo voltar outra vez.

A visita foi num domingo. Dois dias depois, ou seja na terça-feira, o galo estava morto.

Não precisa dizer do remorso que se apoderou do Petronilho que até hoje lamenta o ocorrido, um dos motivos que o levou a acabar com a criação.

Tenho ou não motivo de acreditar em olhos maus?

Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 06/01/1979

O enterro do Capacidade elevada.

RIO — Há meses, os jornais desta Capital, noticiaram elogíosamente, a homenagem póstuma.do Bairro de Fátima — um recanto de moradores da classe média que está lentamente desaparecendo na voragem da inflação — na popularíssima e tradicional Lapa, prestada a um dos seus personagens populares, componente de uma destas turmas que vivem perambulando pelas ruas vivendo de pequenas contribuições para satisfazerem seus vícios, o maior dos quais uma cachacinha, que para muitos, apenas “um trago”, serve para “resolver” seu caso.

O boa vida" homenageado, moço de recados e "pombo correio” dos bicheiros da área e que, por estes motivos, se tornou popular havia falecido o a comunidade do Bairro de Fátima se reuniu para prestar-lhe a «última homenagem», fiancindo seu funeral, evitando que fosse sepultado como indigente. Uma espécie de recompcnsa pelos «serviços prestados» à coletividade. Finalmente o morto, para eles, era «pau pra toda obra».

A homenagem me fez lembrar um popularlssinio personagem que vivia vagando pelo Gameleiro, conhecidissímo que era na «zona» e toda a área compreendida entre a Rua do Filtro até u Plano inclinado. Como o morto de Fátima, vivia de gorgeta, por pequenos serviços inclusive transportando água para as residências já que o serviço ainda era precaríssimo, apesar da assiduidade com que Darin fazia a cobrança nas casas pelo abastecimento do precioso líquido.

O homem do Gameleiro se chamava «Capacidade Elevada». Um verdadeiro folgazão que espalhava alegris na Ilha das Cobras pronunciando discursos e conversando fiado com os transeuntes. Tinha seu lado bom. Nunca se apresentava contrariado e nem gostava de pronunciar palavrões, nem quando «acossado» pela molecagem, hoje o “modismo” que atinge a todas as camadas e idades.

Numa quarta-feira de cinzas “Capacidade elevada” faleceu num pardieiro situado na Praça Cairu, perto do barracão onde Manoel Goiana bancava um víspora, mesmo em frente da Estação da State. A notícia ocorreu célere em todo Gameleiro e como o filósofo não tinha família foi sugerido que o sepultamento fosse feito às expensas dos moradores da área. Mesmo porque “Capacidarde” não tinha família e já era muito ter onde «cair morto». Foi muito fácil fazer o levantamento do numerário para as despesas e mais fácil ainda, consegui a cobertura para financiar o «lubrificante» pura manter a «desolação» daqueles que iam participar da sentinela, todos "amigos da opa”.

O velório foi qualquer coisa de sensacional, com Deusdedite das Carroças, comandando o time das anedotas. Se o velório foi animado, o enterro nem se fala. Parecia um préstito carnavalesco, com os acompanhantes, na maioria, ainda fantasiados, fazendo o «préstito» parar constantemente para a devida lubrificação que, em momento algum, faltou .O sepultamento foi no arenoso cemitério do Pontal, onde os menos afortunados encontravam mais fácil sua última morada.

Ali, no “campo santo” pontalense, dias antes havia sido enterrado um amigo de «Capacidade», cujo acompanhamento seguiu o mesmo ritual do «Boa. Vida» mas sem a mesma concorrência do recém-falecido.

Lá estava “Capacidade” levando o companheiro do peito que, quando o corpo ia baixar a sepultura, resolveu pronunciar uu discurso de despedida. No auge da falação, «Capacidade elevada» perdeu o equilíbrio e caiu na cova e se viu em dificuldades para “se safar” da embaraçosa situação, o que fez, graças a ajuda dos “irmãos” presentes, todos em estado ds «instabilidade».b

Depois do difícil salvamento "Capacidade” se dirigindo ao colega morto' .como que contrariado gritou:

•— Esta não meu chapa, me deixe em paz. Vá sozinho. Por favor não me apareça mais.

Ainda um pouco apavorado, saiu se benzendo com um “eu, heim?”.

Os companheiros como que, traumatizados, se dirigiram à primeira quitanda para tomarem «um trago» a título de esquecimento da «tragédia».

Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 17/01/1980

Meu aprendiz Gumercindo Tavares.

RIO — Uma das pessoas mais importantes que conheci em ilhéus, íoi o coronel Mizael Tavares que, diga-se de passagem, já o conhecia de nome devido a sua fama da. ser o-íiot-'1 rnem mais rico da Bahia. E' que ao chegar na cidade me instalei bem defronte do palacete do milionário, na Praça São Jorge, justamente na Pensão de Dona Catarina, no fim da Rua Conselheiro Saraiva, sofisticada artéria calçada com trabalhados paralelepípedos, moradia de importantes personagens como Senhor, Lavigne, Silvno Kruschewsck, Raimundo Pacheco e o venerável cônego Evaristo Bitencourt. O homem era 'madrugador e bern cedo depois de uma "olhada" na rua debruçado sobre a janela do casarão hoje sede da Loja Maçónica, se dirigia ao seu escritório na Praça Firmino do Amaral, transformado no primeiro “arranha céu" construído na Capital do Cacau. Algumas vezes o acompanhei na sua caminhada ao trabalho, invariavelmente seguindo peia avenida Beira-Mar, Praça do Vesúvio, Ce! Paiva e finalmente na Eustáquío Bastos.

O pacato cidadão, sempre ''malhado'1 pe-ios ilheenses como um inveterado, usurário ti­nha seu nome pejorativo ë s are esticam ente transformado. Aproveitavam as iniciais MïVlST — Maneei Misael da Silva Tavares — em o "Maior Miserável Sobre a Terra", o que era uma verda­deira eresia e, em obsoiuto, não condizendo com o espírito filantrópico do milionário, sempre co laborando financeiramente com as campanhas, de entidades de cárter sociais ou mesmo re­creativas como aconteceu com a Filarmónica Santa Cecília, premiada cem um instrumental completo , oferecido pelo Rei do Cacau, trazi­do de sua viagem turística à França, no início da década de 30. Presidia a "banda" o maestro-Pedreiro Astrogiido. •

O que ocorria é que na"'época em que o co­ronel Mizael preparava o "pé de meia" se em­brenhava na mata num trabalho iniciado como tropeiro dando um duro danado, fazendo roça­dos comprando terras e dirigindo barracões, verdadeiro "maná" para os patrões, enquanto^ destacados comerciantes e fazendeiros íocais se deleitavam nos-cabarés ou nas v-iagens às capitais do País gastando por conta das futuras

altas que, viesssm ou não, erarn motivos, co­mo ainda hoje cloroses reclamações.-

Ninguém podia negar, entretanto era o ti­no administrativo do milionário e a preocupa­ção de dar aos.filhos — fossem eles da "ma­triz" ou da "filial" — uma instrução que ele mesmo não teve. Todos, eu quase iodos ter­minaram diplomados nos mais variados cursos é nos melhores educandários ao País,

Quando Üigo quasi todcs é que dois deles não deram bem com ss letras, contrariando a linha do chefe. Um deles foi "confinado" nu­ma das muitas fazendas do velho, assumindo sua gerenola. Este ccr-staníemente tirava um •dia para fazer «uma "estação de águas" na ci­dade, onde fazia verdadeira "razzia" deixando em polvorosa alguns bares, além dos naturais aborrecimentos para a sua família. Já o outro era completamente diferente do mano. Caímo. Educado nas suas maneiras, incapaz de maltra­tar aíguém. Aliás este era o lema dos familia­res do ricaço, inclusive do "confinado" quando em estado norma!.

.. Certa manhã, depois de cobrir o rotineiro itinerário matutino, Mizaeí Tavares se dirige a Carlos Monteiro, outro madrugador no "Diário", depois cie rápida conversa, entrou no assunto

— Seu Carlos quero te pedir um favor: "Bo­te" Gumercàido — este o nome do segundo fi­lho absíemío em relação as letras — pra-apren der tipografia. O menino não quer nada e eu não gosto de vagabundo na família. Pelo menos ele vai aprender urna profissão. Tome conta.deie.,t Atendido o apelo, no outro dia cedo estava Gumeroindo nas oficinas sob o meu comando e à tarde "metendo os peitos" na dobragem do jornal. ' í; /:;: Foram pousos oá díns que convM com'o 'filho do Rei .do Cacau pois logo depois com.a doença do velho e seu embarque para o Rio de •Janeiro onde ocorreria seu falecimento,meu a-luno foi obrigado a interromper o aprendizado!* íomar, conía do que era seu. v . O pequeno período entretanto deu para de­monstrar quanto Gumereindc tinha "gente" já como diz o bahiano'que "não tinha bondade"/!

Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 30/12/1980

Minha geração está desaparecendo.

RIO — Naquela noite de Outubro quase toda a Colônia Belmontense aqui sediada, estava reunida na igreja de Nossa Senhora Aparecida" em Cachambi, no Distrito Administrativo do Méier, para. festejar, assistindo o ato religioso, de Ação de Graças, pelo setuagésimo aniversário do seu conterrâneo Otávio Barros, filho do conceituado mestre marceneiro Teófilo Barros dos Santos. A solenidade teve seu ponto alto quando, na elevação do Santíssimo foi cantada uma tradicional ladainha — Maria Concebida Sem Pecados — revivendo as comemorações em louvor a Virgem do Carmo, nossa padroeira. Foi um momento de profunda emoção para o .contemporâneos ali reunidos, já que o cântico trouxe gratas recordações da juventude despreocupada.

Após o ato Otávio reuniu os convidados em sua residência para inesquecível recepção, decorrida num ambiente desconcentrado onde cada um revivia fatos.da sua mocidade vivida nas areias da Preguiça ou Ponta de Areia, passeios para as colheitas de cajus e murtinho, no Lazareto. Os banhos de mar e da Barrinha, hoje desaparecida, foram lembrados saudosamente.

Agora, decorrido mais de um ano "daquela maravilhosa noite, voltamos a Igreja de Cachambi para rogar paz a alma de Otávio Barros, assinalando o aniversario do seu passamento, deixando viúva e filhos além de sua irmã Antonieta Barros, auxiliar de escritorio aposentada, ainda inconsolável, já que dos quatros irmãos — . Paulo, Florêncio, Alice e Otávio, — ela é a sobrevivente.

O morto era componente de uma geração, da qual sou integrante, nascida nas primeiras décadas deste, século que, pouco a pouco vai desaparecendo e que tem a seu favor ter assistido o homem atingir a lua além das profecias de Júlio Verne transformarem em realidade, coisas que nossos avós julgavam inconcebíveis. Em compensação esses rudes parentes nos souberam dar uma educação rígida, baseada no respeito ao próximo, coisa que está praticamente eliminada nos tempos atuais, causa principal da degradação dos costumes que estamos assistindo.

O falecimento de Otávio me fez lembrar dos inúmeros contemporâneos que já se foram "deste vale de lágrimas". Da contagem regressiva anotei alguns companheiros tais como: Heriberto Simões, José e Anibal Fernandes, Devanedi e Benon Marques, Vivaldo Pinho, Gentil Melo, Benedito Tavares, Cosme Mlhervino, Diô e Nassau Mega, Abenilson Favila, Firmo e Virgilio Pagão, Artur e Nouca França, Alberto Storino, Adalberto e Joevá Paiva, Pedro Bembeu, Mandínho Rezende, Caborginho Ramos, João Carmínio, Ademário Ramos, Jorge Monteiro e os esportistas Leones Soares, Raulino Santos, Filó, Nandinho, Nadinho, Cid, Dilinho, Rafael, Duça, Filhinho, Beré, Batista, Zé Hugo. Deja Mururé, dentre outros.

Para compensar fiz um levantamento dos companheiros que ainda . estão vivos, assinalando Nelson Matos, Dermeval (Dei) Oliveira, Aires Fernandes, Pedrinho e Guerino Magnavita, Gervásio, Orlandinho Paternostro, Floriano, Bernardino, Jerônirno Oliveira, Orlando Magnavita, Dazinho Rezende, Alberto Matos, Manoel de Senhorinha, Décio Marques, Vilobaldo Amorim, o Prefeito Luiz Carlos, (sempre firmes na "terrinha") e nós outros considerados "desgarrados" José Lemos, Othon Ferreira, Waldeck Oliveira, Osvaldo Peixoto, Osvaldo Cabral, o juiz Epaminondas Pontes, Aurelino Navarro, Elvidio Storino, Josadack Oliveira, Dário dos Santos, José Andrade, Aloísio Ludgero, Satiro Segundo, Ito e Hugo Ataíde bem como os "honorários" Symaco da Costa, Júlio Brito e Edson Moura.

Os belmontenses que transferiram suas moradas para outras paragens, jamais esquecem do seu "torrão natal" e a prova é que sempre eles constantemente voltam as suas origens para uma olhada e pedir graças a Nossa Senhora do Carmo, na sua grande data, quando em frente à Matriz se reúnem para um encontro saudoso com os companheiros.

Entretanto creio que muito breve este encontro vai mudar de local uma vez que a Igreja está prestes a desaparecer devido as investidas do Jequitionha que os poderes públicos estadual e federal teimam em não tomar conhecimento, deixando de enviar verbas necessárias para conter o caudaloso rio que em breve não só levará a Igreja mas toda a cidade, mais da metade já devorada pelas enchentes.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 24/04/1981

Moreira e as calças do Firmino.

RIO — De certo, os leitores do JORNAL DA MANHA, pelo título desta crônica, vão pensar, que vou relatar um caso semelhante a. saborosa «Tem àquela do... Termo Emprestado publicada neste jornal em fins de Janeiro último, na qual o bom Otoniel, representou,;muito;bem, a máxima popular do nem "bem no-céu,'nem bem na terra, ou simplesmente daquele que foi preso por ter cão e preso por não, tê-lo.



Mas, apesar de ser um caso de indumentária, esta crônica tem por finalidade Dar um exemplo da impontualidade ou melhor, da falta de palavra de profissionais no cumprimento deas suas obrigações, muitas vezes deixando os fregueses em situação vexatória.



Pedreiros, carpinteiros, sapageiros e, sobretudo alfaiates, na sua maioria, são useiros e vezeiros em deixar sua freguezia «na mão». Quantos deixaram de comparecer a uma festividade qualquer, ou ter de contrariado, usar roupas já batidas, devido a falta de palavra do profissional da tesoura?

Inclusive há alfaiates que não «livrarm a cara» dos seus melhores amigos ou parentes, como o que aconteceu, há anos atrás, quando Emo Duarte viajou para Salvador, onde ia ingressar na Faculdade. Seu avô, o exímio alfaiate Vicente Marsseli, estabelecido na Praça Seabra, se comprometeu em confecionar um terno, cuja fazenda, doada com antecedência, pelo velho Pedro Duarte, pai do futuro advogado, que ficou conhecido internacionalmente devido a sua prisão na Espanha a mando do ditador espanhol, o generalíssimo Francisco Franco, nos idos de 1940.



Mas, mesmo se tratando de um neto, tido-como «do peito», o alfaiate apesar de instado, quase não preparou o terno do Emo que, já. com o navio desatracando do cais da Firmino Amaral,.recebeu a roupa que por.pouco não desaparece, nas águas do Almada. Sim, pois a .entrega foi feita por intermédio do prático.



Aqui no Rio. precisamente em Realengo.para, onde afluiu grande número de "alfaiates, naturalmente os «bolístas» eram numerosos. Muitos deles já se foram dentre os quais o capicnaba Wanoegman Moreira. Um born profissional que instalou .uma oficina na sua residência.



A fama de bom alfaiate fazia com que grande número de locatários procurasse o Moreira e, corn isso a freguesia aumentava o obrigando a contratar um colega para dar vazão as encomendas. Mas o nosso alfaiate, que gostava de «aperitivar» antes do almoço começou a falhar, no cumprimento da entrega das encomendas, ao mesmo tempo em que escasseavam as desculpas. Mesmo assim, não eram poucos os que continuavam lhe dando trabalho.



Certa vez, um velho locatário, o baiano de nome Firmino, elemento bem relacionado no Conjunto, prestativo que era e sempre pronto para «topar» qualquer movimento de solidariedade, resolveu «exemplar» seu amigo Moreira que, naquelas alturas só contava mesmo com um reduzido "número-de fregueses; dos que costumamos chamar de «crentes». O Firmino, que não tinha .«papas na língua, anunciou que iria mandar o Wenoegman costurar uma roupa e tinha certeza de que não seria «passado para trás»



Feita a economia, e já sabendo corn quem estava tratando, Firmino declarou que a sua indumentária deveria ser entregue tal dia, ou seja na véspera da data que realmente queria.





Um dia antes o Moreira a última prova, mas. falhou na. hora da entrega, depois de garantir e. até jurar que cumpriria a palavra Firmino não se alterou quando às 8 horas da,noite do dia marcado não conseguiu levar a roupa e até demonsstrou aceitar a sugestão de que no outro dia, sua indumentária seria entregue, sem falta.



Efetivamente no outro dia aroupa estava pronta. Mas o que fez o baiano:

— Seis horas da manhã do. dia aprazado, mandou seu fiího Joel, munido de marmita com a seguinte ordem:

— Não de trégua ao Moreira e só saia da sua casa com a roupa.

A ordem foi cumprida fielmente a às 16 horas, Joel voltava para a casa com a encomenda pronta.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã Ilhéus/BA 11/04/1979