domingo, 12 de outubro de 2008

Tolentino e o castigo do céu

RIO — Em meados de 1927, como que prevendo a minha mudança para Ilhéus, numa espécie de despedida, fui passar uns dias no antigo distrito de Belmonte, hcje a emancipada Itapebí,. sul do Estado da Bahia, ficando hospedado com minha tia Augusta, bastante relacionada na cidade e, como disstração, passava horas no bazar do primo Petrônio, assistindo seu desembaraço em atender seus numerosos fregueses, sem o auxilío de empregado, ao meu ver necessário, tendo em vista o estabelecimento vender toda espécie d.e mercadoria — do seco e molhados aos produtos farmacêuticos, além do fazendas e perfumarias.

Era Junho e, como visitante fui convidado a participar das festes juninas na fazenda de Joaquim Bamba. Foram três dias animadíssimos com bastante "comes e bebes" e os participantes obrigados a uma maratona, onde as palavras dormir e descansar estavam em recesso.

Na época os remanescentes do caudilho Jucá de Vicente ainda ïnantinham o

prestigio,adquirido pelo.chefe durante alguns anos, quando tudo ou quase tudo era resolvido na "Estrela do Norte", defronte da localidade -Conheci na época, Sylvio Toste, Eliezer Marinho, Bolandeira, Edson Moura, Aprígio Melo, Elpídio Bitencout os Sousas, os Cardosos e o eterno blasfemador Lamarca. Lá já estavam os belmontenses

Bejamim Andrade, Louríval Sacramento, João Suzart e outros, com quem todas as tardes batia um "papo" no Rabo de Gata ás margens do Jequitionha, onde vez por outra, vinha a baila a morte de Tolentino, vítima da fúria dos elementos.

'Tolentino, como inveterado jogador, participava das rodas de jogo, conhecedor que era dos macetes da ronda, 21, cucamplé, 7 e meio, poquer além da popularíssima escopa, também conhecida por belo trazida a região pelos italianos que, no princípio do século "pousaram" em Belmonte, onde ainda residem inúmeros descendentes, sempre colaborando para o progresso de uma enorme região.

A trágica ocorrência se verificou em 1924. Tolentino no auge de :uma fase de azar. em que nada dava certo, ao sair de uma "cafuá" jurou não maispegar num baralho para jogar, exclamando transtornado: «Quero que um raio me parta no dia era que eu sentar numa mesa, de jogo.

Ninguém acreditou no juramento, Afinal não era aquela vez que um jogador fazia idêntica promessa e se "arrependia" na "primeira- oportunidade, Entretanto, contrariando os prognósticos, o velho viciado nas «52» mantinha o juramento, resistindo aos convites para tentar novamente a sorte, Tudc levava a crer que os viciados'haviam perdido definitivamente um parceiro .

Mas um dia Tolentino não "aguentou a paarada”. O tempo estava nublado ë tudo indicava uma tempestade. Os colegas do antigo viciado estavam reunidos nas imediações da casa de Humberto Cardoso, onde vez por outra iam se "divertir". Faltava mais um parceiro. Tolentino vai passando, e a um convite, com alguma exitação se prontificou a assistir a "brincadeira", enquanto chegava outro companheiro. A demora, de "aparecer alguém fez com que o. jurador,.;que até momento íntcncionava "peruar" o jcgo, se prontificasse a entrar, na :”patota”' se loalizando à cabeceira o!a 'mesa "e dando o primeiro"corte" no baralhio:

O tempo íoi piorando. -Trovoadas relâmpagos, comuns na região, pareciam não mais acabar. Muito ao coii trário, aumentavam de intensidade. O "cacife", como sempre, levava a parte do leão determinando o fim do encontro.

Alguém gritou — e todos aceitaram — que aquela seria a última rodada. Carta disstribuída.: A turma ia apertando. Uns pedindo cartas e outros desistindo. Chegou a vez de Tolentino. Um'forte trovão acompanhado, impediu a jogada de Tolentino que estava estático.

O companheiro de lado advertindo sobre a demora, lhe tocou no ombro e, para o espanto geral Tolentino estava fulminado. uma faísca elétrica, caída na cumeeira da casa varou o esteio," onde o jogador estava encostado e o eletrocutou como esemplo do juramento “quebrado”.

Um velho que assistia o relato sentenciou: ''Relampo só faz má se a gente sincosta nu pau quele apósa»..."

Rubens E. Silva Jornal da Manhã Ilhéus/BA 01 Mai 1980

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