quarta-feira, 8 de outubro de 2008

"Ilhéus, bonita até para se morrer

RIO — Ele era componente do corpo musicai da "Lyra Popular". Creio que até foi um dos seus fundadores. Com o pistonista de "primeira água" fazia dupla — e que dupla — com o famosíssimo Esmero Martins que, pelo seu "virtuosíssimo", foi contratado por uma Companhia de Comédias, depois de vitoriosa temporada em Belmonte. Na época, o comentário era que Esmero viajou porque ficou apaixonado pela "estrela"' do conjunto, artístico, uma fascinante argentina.

Mas esta crônica é dedicada ao musicista e titular do registro civil, Aristophanes Flores, conhecido pelo nome de Fanu ,transferido para Pedra Branca quando foi desmembrada da cidade sulina.

Sempre bem trajado. Fanu era um bom "papo" e possuidor de um jeito especial de fazer amigos e, o mais importante, mantê-los.

Já estava na hoje Itapebi quando me transferi para Ilhéus, em fins da década de 20, e lá encontrei outro conterrâneo e clarinetista de "mão cheia" Argemiro Santos, irmão do escritor-poeta Dario dos Santos. Argemiro, infeliz e inexplicavelmente se "jogou" ao vício da embriagues e faleceu anos depois, em completa obscuridade.

Certa vez, em gozo de férias — em vigor desde o governo Artur Bernardes — fui passar uma temporada em Pedra Branca, onde como ainda hoje, tenho parentes, além de um grupo de amigos conterrâneos.

Para “matar o tempo", passava o dia visitando e «papeando'" com conhecidos como Benjamin Andrade, Sylvio Testes, Lourival Sacramento, Antônio Lamarca — um italiano que vivia blasfemando por tudo — Eliezer Marinho, Lourival Sacramento, o barbeiro Antônio Bolandeira, Aprígio e Elpídio Pereira, Joaquim Bambá — o devoto de São João — Edson Moura, e, naturalmente, o escrevente Aristophanes Flores.

Com o Fanu, o "papo" era mais longo, pois o velho pistonista. conhecia bem a cidade onde, periodicamente a visitava, freqüentador que era dos cabarés, se hospedando na residência do seu irmão Claudionor Flores representante comercial.

Elogiava as belezas naturais da outrora "Princesa do Sul" na época, espremido, entre o Plano Inclinado e o coqueiral dos Pachecos e esbarrada pelos morros da Conquista, Teresópolis, Café e Ceará, que escondiam a Baixa Fria e o Buraco da Gia. Comentava a situação e o meio de acesso ao Alto da Conquista c o contorno da Avenida 2 de Julho, compreendida do Unhão ao Obelisco de Nossa Senhora de Lourdes. Era mesmo um admirador da Capital do Cacau.

Invariavelmente Fanu Flores terminava a palestra, como que vaticinando, com a seguinte frase; — Ilhéus é bonita até para morrer...

Urna tarde, cumprindo uma rotina, fui assistir a chegada de um navio da "Bahiana", que voltava de São José do Mucuri. No cais numero l, encontrei Claudicnor Flores, me informou que estava ali a. espera do irmão que doente, ia a Salvador para um tratamento intensivo. Esperava que o irmão demorasse pouco na capital do Estado, pois a; recuperação seria feita em Ilhéus.

Navio atracado, subimos à bordo. Num 'beliche' estava Fanu, com Dona Vivi sua esposa. A viagem de Canavieiras a Ilhéus serviu para agravar o estado de saúde do velho pistonista. Seguir viagem era uma temeridade e a solução foi o Hospital São José.

Não demorou, pois dois dias depois, eu, Claudionor, dona Vivi e uns poucos conhecidos, levamos Aristophanes Flores, para o Cemitério da Vitória, sua última morada.

Comentei, ainda no cemitério, meu encontre, em Pedra Branca, com o escrevente e as suas entusiásticas palavras sobre a bela cidade ,

Fanu atravessara o Jequitinhonha parte do Rio Pardo, para morrer justamente na cidade, não só para ele, mas para milhares de pessoas:

Bonita, até para se morrer...

Rubens E. Silva, Jornal da Manhã, Ilhéus/BA 13/Out/1979

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