quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Dr. Lopes no Anedotário das Profissões

RIO — 1980, sem dúvida alguma, ficará marcado por muitos anos, na memória dos apreciadores e da literatura e da música, nas suas mais variadas modalidades. Isto porque no decorrer dos seus trezentos e sessenta e cinco dias, ocorreram desaparecimentos dos mais expressivos cultores das .sublimes artes.

No período, completaram o inexorável circulo da vida, chegando ao fim da estrada, grandes nomes tais como Fernando Leite Mendes, Vinícius de Moraes, Nelson Rodrigues, Davïd Násser, Luiz Reis, Abel Ferreira, Ismael Silva, Almirante, Cartola e Pelado este pouco falado e divugado compositor), que, ao som da Bateria Nota 10 André, foram ao encontro de velhos companheiros há muito transferidos para o "outro lado".

Almirante — Henrique Fôreis Domingues — a maior Patente do Rádio, era meu conhecido de alguns anos, através dos seus maravilhosos programas radiofônicos transmitidos pela rádio Tupy. Era ouvinte incondicional de Histórias das Danças, Tribunal de Melodias, Costumes de São João, Histórias do Rio Pela Música, Recolhendo o Folclore, Incrível, Fantástico e Extraordinário e Anedotário das Profissões, do qual participei como colaborador, pois o programa era; feito através da correspondência dos ouvintes, e eu era um deles. Por umas vezes meus "casos11 foram aproveitados e divulgados, fazendo jus a um "pró-labore" de 20 pratas. Ainda me lembro quando o correio me comunicou existir um "vale - postal" na Agência que já esperava pois ouvira meu primeiro "caso" irradiado. Depois outras comunicações. E quanta coisa fiz com os cruzeiros recebidos. Mesmo porque naquele tempo a nossa moeda não estava tão,.por baixo assim. Ainda não era classificado de "tadinho..."

Minhas anedotas não eram propriamente anedotas. Eram na verdade fatos da vida real. A maioria delas era referentes a Ilhéus e Belmonte destacando, como personagem o velho amigo e compadre Dr. João Batista Soares Lopes, verdadeiro manancial das mais incríveis histórias que todo ilheense sabe de cor e salteado.

Quem não sabe, por exemplo, do caso daquele canoeiro-pescador do Pontal que depois de atravessar o médico numa noite tempestuosa e na volta depois de um parto laborioso na sua esposa, ainda cobrou ao Dr. Lopes as passagens? Ninguém se esquece da recepção que um garoto fez ao Bom Médico ao encontrá-lo numa espaçosa rede aguardando a hora da sua genitora. E o caso do parto milagroso no Alto de São Sebastião que o médico morreu sem conseguir explicar?

Mas com tantos casos assim era justo que surgissem muitas histórias, tendo como personagem o boníssimo médico. Dentre tais casos o da grã-fina que não podendo dispensar a assistência do Dr.,Lopes, na hora do parto demonstrando o seu espírito racista, exigiu que o doutor usasse luvas para "aparar" a criança. A exigência foi cumprida, mas ao ser pedido o preço tio parto, o nosso saudoso médico apenas respondeu: A senhora só vai pagar apenas as luvas que vou deixar aqui como lembrança.

Certa vez aproveitando a estadia do Dr. Lopes aqui no Rio, o convidei para ; um almoço. Convite aceito. Apenas uma exigência: ir buscá-lo em Ipanema na casa do seu compadre Telemaco Ataide. Exigência cumprida e num belo domingo trazia o compadre a Realengo.

Num dia maravilhoso. Muitas histórias. Lembranças ao seu clube preferido Vitória, onde todos os seus íilhos — Lulu, Zeca-Lopeu, Seu Vaga e Tuica deram valiosas contribuições no campo de futebol.

Quis confirmação "dos casos citados e todos eles, com excessão o da luva, íforam confirmados com euforia e gostosas risadas da minha parte pois meu hóspede demonstrava a sua satisfação com apenas um ar de riso e o brilho dos olhos.

No caso da luva, como se fosse uma triste passagem da sua vida de médico, evitou a resposta esperada.

Meses depois daquela visita ao Rio e, especialmente a Realengo, falecia em 'líhéus aquele que, sem dúvida alguma foi o grande benemérito da cidade, cujo enterro foi uma consagração.

Rubens E. Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 24/03/1981

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