domingo, 12 de outubro de 2008

Pandeiro Manso de Paiva Coimbra

RIO — Antigamente, através; de poucos e tradicionais impostos, o governo subsidiava alguns serviços tidos como de utilidade pública, favorecendo assim os contribuintes, numa espécie de devolução daquilo que o governo lhes tirava até cem certa parcimonia. Hoje, entretanto, tudo é diferente. Os subsídios estão eliminados, enquanto técnicos em arrecadação inventam novos impostos "apelidando-os" de taxa-e outros bichos, aumentando-os dia a dia.

A "fúria" arrecadadora é impressionante. Hoje pagamos até a iluminação das ruas e os serviços essenciais que desde o império eram de fato para beneficiar o povo, com taxas reduzidas, como o Correios e Telégrafos, hoje em dia se transformou em objeto de renda com os sucessivos aumentos de suas taxas, acontecendo o mesmo com os transportes coletivos.

Uma instituição que beneficiava a população era o Serviço de Alimentação da Previdência. Social — SAPS, instituída no governo Vargas que os tecnocratas acabaram talvez por não dar lucros. Os maiores beneficiários da louvável instituição eram os trabalhadores.

Passei por quase todos os postos de Serviço que proporcionavam alimentação barata e sadia, desde sua sede central, na Praça da Bandeira, cujo restaurante atendia trabalhadores de São Cristóvão à Praça Onze. Na Rua México .no sub-solo da sede do ex-Instituto dos Comerciários e na Rua Gomes Freire, estavam os postos dos comerciários e dos agentes policiais, que serviam a todo o centro da cidade, que contava ainda com o SAPS do Calabouço, onde o estudante Edson foi morto por um policial, originando um veemente protesto de seus companheiros.

Na região portuária existia o SAPS do "Pequeno Jornaleiro", nas imediações da Praça da Harmonia, ponto preferido pelos estivadores.

Todos os postos apresentavam equipes de alto nível, evitando as reclamações tão naturais em prestações de serviços.

O SAPS também atendia empresas com determinado número de funcionários ou trabalhadores, como no caso dos "Diários Associados" que, na sua sede antiga, à Rua Sacadura Cabral número 95, no 9º andar. Lá estava um posto para os funcionários, extensivo aos amigos da casa. Nesta condição estava o cronista velho conterrâneo do arquivista irmão Symaco da Costa, supervisor do serviço.

E' muito natural em tais reunião. captar dados sobre participantes. De ordinário, depois de alguns encontros,. todo mundo sabe da vida de todo mundo, com raras excessões, que ficam por conta dos taciturnos.

Foi assim que nos "Associados" conheci uma pessoa que nos idos de 1915, foi manchete em todos os jornais do País e em parte de imprensa mundial.

Numa mesa do SAPS, todos os dias, estava um senhor de idade avançada, magricela e branco. Sempre arredio, como desinteressado com o que se passava, no vasto salão, inclusive com seus companheiros, como ele vestido de macacão azulado com as iniciais do Departamento Nacional do Café. Meu companheiro que havia me dado "serviço" sobre um freguês acostumado a '"fechar a raia" para ser servido cm dobro dizendo-se tratar de uma alta patente do exercito, me.informei que o velho de macacão era Manso de Paiva Coimbra que em setembro de 1915, assassinou na escadaria do Hotel dos Estrangeiros, José Gomes Pinheiro Machado, a "eminência parda" do governo Wenceslau Braz e homem temido por todos políticos do País. Efetivamente, ainda jovem iniciando a minha vida de tipógrafo, me lembro como os círculos intelectuais de Belmonte receberam a notícia da morte de Pinheiro Machado.

Procurei me aproximar do grande personagem, o pedreiro gaúcho Manso de Paiva, chegando até a uma relativa amizade, mais quando abordei o assunto ocorrido cm 1915, apenas consegui" duas palavras, como resposta:

— Esqueça disto. Mais continuei o contacto com Manso de Paiva, terminado com o fechamento do SAPS dos "Associados", quando também recebi o último pacote do café tipo exportação.

Por algum tempo tentei encontrar o velho padeiro que, segundo os jornais da época, tornou-se assassino para salvar o Brasil.

• Rubens E. Silva, Jornal da Manhã, Ilhéus/BA 03 Out 1979

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