quinta-feira, 9 de outubro de 2008

COLUMBINO E Á RABECA DE ZÉ DOS REIS

Rio (Para TABU) — Jovem, estava naquela em relação a Canavieiras: Não vi e não gostei. Aliás este era o lema dos belmontenses em lelação à cidade vizinha, verdadeira inimiga. E não era para menos. Todos os nossos que tinham necessidade de passar por lá, e mesmo os excursionistas esportivos, na volta diziam "cobras e lagartos" em relação ao mal tratamento recebido. Tenho a impressão de que o mesmo acontecia de lá pra cá. Nós jovens que não participamos de tais "viagens" acreditávamos piamente nos conterrâneos, verdadeiras vítimas de massacres que não deixaram marcas. E precisava prova concreta? Nada disto, o "inimigo" deveria pagar as "agressões" contra nossos irmãos. A desforra seria na primeira visita e para ela estávamos preparados.

Era este o clima, nos primeiros decênios deste século, entre canavieirenses e belmontenses que, afinal apresentava um lado positivo, pois todos se aprimoravam para superar o "inimigo" em todas as atividades.

Por muito tempo acreditei na veracidade dos fatos, o que fazia com que odiasse meus vizinhos. Mas um dia... Sempre tem um dia. Apareceu em Belmonte um crioulo das pernas tortas para defender a Associação Atlética do professor Lúcio Coelho e, como gráfico, foi trabalhar na Tipografia dos Monteiro, de onde eu era "cria". Chamava-se Canelinha. Uma extraordinária figura humana. Tornamo-nos amigos, da mesma forma que tirou da minha mente a "má-vontade" com seus conterrâneos. Tentou por muitas vezes me levar a Canavieiras, o que não foi possível. Canelinha era incapaz de ofender alguém. Depois voltou à sua terra banhada pelo Rio Pardo. Foi um desfalque para a tipografia que para seu lugar "importou" Eduardo Colombino. Bom sujeito mas impulsivo e uma pouca "metido" Foi com ele que realizei a minha primeira visita a Canavieiras, ficando hospedado em sua casa. Uma visita de um pouco mais de 30 horas que deu para conhecer as bonitas — hoje extintas — dunas, Atalaia, igreja de São Boaventura, a "zona, onde Antônio Magro jogava gamão, e a Capelinha. Essa lembrança de mais de 50 anos é marcada pelo encalhe da canoa, no meio da viagem de volta, quando servimos de pasto para barulhentos mosquitos.

Columbina gostava da farra. Foi meu companheiro inseparável nas festinhas de aniversários, juninas, antoninas, casamentos, quando de vez enquando dava seus gorgeios, cantando músicas da época, na sua maioria aprovadas pelos dançarinos.

Certa noite de Santo Antônio, depois de passar por Cabo Verde, Cirilo, as Anãs e outras casas que festejavam o santo casamenteiro, fomos parar na casa de Antônio Magarefe, lá pelos lados da Preguiça, onde a animação era total. Genipapo e canjica de milho verde corriam soltos, numa eopécie de preparativo para um suculento caruru e uma muqueca de robalo.

Lá para tantas Columbino resolveu exibir seus dotes canoros. Pediu para que o apresentasse ao "regional" formado por violão, cavaquinho, pandeiro, duas colheres, comandado por um respeitável e conceituado carpinteiro de nome José dos Reis, tocador de violino. O homem não se fez de rogado e logo atendeu ao pedido de acompanhamento do cantor canavieirense, que da sua parte começou a cantarolar, como que dando o tom para a orquestra. José dos Reis, de paletó e gravata, como mandava o figurino da época, se pôs em pé e começou a "esgravatar" as cordas do seu precioso instrumento. Os companheiros também entraram nos preparativos mas, por incrível que pareça ou parecia, não "entravam num acordo" quanto a afinação. O "debate" continua por muito tempo, sem solução. O cantor já mostrava o seu inconformismo com a demora, sem que o maestro tomasse conhecimento.

Não "guentando" mais Columbina, já al­tamente lubrificado com os ''ingredientes" genipapinos, vira-se para José dos Reis e exclama: — Oh velho. Afina logo esta rabeca...

O violinista reagiu dizendo:-Me respeite. Isto aqui não é rabeca e sim um violino.

Com a reação do chefe todo o conjunto avançou em Columbina que, "escapou" pela cozinha, indo parar no Matadouro, construído entre os mangues, onde fui encontrá-lo para prestar a necessária solidariedade.



Rubens Esteves da Silva Tabu Canavieiras-BA 1ª Quinzena 01/1981

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