quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Os Médicos dos Bons Tempos.

RIO – O homem estava pobremente vestido. Já havia percorrido quase toda a cidade. Iniciava sua «via-crúcis», onde muitos que tinham problemas iguais aos seus, na Praça Castro Alves .Daí na Rua Araújo Pinho .batendo primeiro no Bar do Martinho, depois na casa da Amália. Tudo em vão. Porém, a necessidade de encontrar àquele, que seria a sua «salvação da lavoura» o forçava a enfrentar: o temporal que caía sobre a cidade ia tentar mais um local como última cartada. Se dirigiu ao Largo do Unhão, mais precisamente ao cabaré de João Grande. Efetivamente não poderia entrar naquela sofisticada casa de diversões, onda a jogatina e o mulherio imperavam. Seus trajes o impediam e o jeito era implorar a ajuda, de qualquer "habituee" da casa.

Finalmente estava ali o homem que ia lhe socorrer. Tinha certeza absoluta de que seria atendido ,o que efetivamente -aconteceu.

Ao primeiro recado surgiu o velho e boníssimo Dr., Lopes que descendo as estreitas escalas de cimento foi ao encontra da pessoa- que o procurava

Tratava-se de um pescador. Precisava dos serviços do popularíssimo e solícito médico-parteiro. Sua esposa, no Pontal estava em dificuldades. Já havia passado a hora do nascimento de seu filho sem que a parteira conseguisse resolver a situação.

Sobraçando sua maleta com os instrumentos necessários o velho médico se dirige .ao cais da Praça Firmino do Amaral onde um pequeno escaler lhes esperava. Embarcou na frágil canoa e a travessia perigosa, devido ao temporal, feita pelo nervoso pescador, chegou ao fim sem incidentes

Parto laborioso que 'terminou com 'o dia claro. O pescador agradecido, fez questão de acompanhar, de volta no seu escalar, o bom médico que notara o estado de pobreza do casal, possuidor de outros filhos ainda menores.

Depois da travessia, menos perigosa, pois o temporal já havia terminado, ao saltar, Dr. Lopes sentiu que o seu ''cliente” estava querendo falar alguma coisa além do pagamento tradicional.:costumava receber, ou seja, «Deus te Ajude» diante da indecisão o médico perguntou o que queria. Acanhado respondeu: “É”…o senhor esqueceu de pagar a passagem…

Este episódio que todo o mundo conhece aí em Ilhéus, me foi relatado, anos depois aqui em minha casa, no Realengo. Diante do meu espanto o velho Lopes com aquele riso característico esclareceu:

─ Senti de perto a miserabilidade do lar que acabara de visitar e a cobrança era nada mais do que a necessidade que imperava no seio da família que os 2 mil réis ia amenizar.

Era assim o Bom Médico, uni verdadeiro exemplo de humanismo hoje raramente verificado, entre a classe médica, cuja maioria absoluta visa apenas o “vil metal”, e que põe acima de tudo, inclusive o solene juramento no ato da sua formatura, o interesse pecuniário.

A prova dessa afirmativa foi o inusitado movimento grevista dos residentes, na defesa de um alto salário, não condizente com os baixos salários recebido pela massa trabalhadora,

É bom esclarecer que a residência nos .hospitais é dada aos recém formados para que os mesmos, em determinado período ,adquiram a necessária experiência para melhor desempenho de suas futuras atividades, que por tradição devem ser exercidas com o máximo de humanismo.

Rubens E. Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 22/08/1979

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