sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Lembrando a “State of Bahia Railway”

RIO — Desde a chamada crise do petróleo — verdadeiro "maná" para a Petrobrás que está faturando mais de 500 na comercialização — fontes autorizadas falam em reativar alguns dos ramais ferroviário, intempestivamente desativados pelo então Ministro da Viação general Juarez Távora que, no caso da nossa "State", segundo se propalou foi fechada em revide a derrota do ministro, nas suas suas pretensões de se eleger presidente da República, nos idos de 60.

A decisão deixou milhares de ferroviários em disponibilidade remunerada, determinando a transferência de uns poucos para regiões distantes de sua moradia, numa espécie de "desterro branco" a quem não tinha nada "com o peixe, ou seja a derrota do "vice-rei do norte em 3C”: Houve grita contra o ato que não alcançou a economia esperada e hoje está patenteado o grave erro da desativação.

No caso da Ilhéus a Conquista o ato do ministro Juarez Távora foi de uma infelicidade sem par, uma vez que a ferrovia dirigida por “Mister Hull”, vinha prestando inestimáveis serviços a uma das mais ricas regiões da América do Sul, como atestavam as estatísticas da "The State Of. Bahia South Wester Railway Company, fundada por iniciativa do cel. Bento Berilo de Oliveira e construída com capital inglês, na primeira década do século.

Conheci a State em 1.927 — alíás a primeira Estrada de Ferro que conhsci ao vivo —-quando me tornei assiduo frequentador de "gare" sob o comando de Paizinho. Zegato, Francisco ou Demola. Admirava o trabalho penosíssimo dos foguistss e a perícia dos guardas-freios e manooreiros.

Com íal vivência fiquei prsticsmsnte integrado na vida da nossa ferrovia onda havia uma espécie de ecumenismo ideológico surgido quando dos movimentes liderados por Luiz Carlos Prestes e Plínio Salgado, respsctivamente Aliança Libertadora e Acão Integraíista Brasileira, sendo que os "plinianos" eram muitas vezes rnais numerosos. No escritório, dentre outros, estavam os irmãos Pedro e Humbert Ribeiro, juntamente com João Batista de Souza e Crescenciano Santos. Espalhados na administração sa “State”, estavam José Cerqueira, Cândido Lobo, Cantídio, António de Aflitina, .Ernesto, Canso dos Batutas. Duca. Manoeliío, Esterrnito, Sodré. Nestor, Bode de Duca, Bitatis, Januncio o extraordinário rneia-esquerda da Seleção Ilheense e o "virtuose" do violão, popularmente conhecido como Major.

Certa vez estava com Adamstor Adamí — outro freguês da chegada do comboio — na plataforma quando urn rapaz modestamente vestido, nos pede para que o ajude a levar seu pai para o cemitério. Acompanhamos o rapaz e ao chegar onde estava o corpo verificamos que não tinha mais nlnguém para o enterro e o que era pior o cadáver ultrapassava a linha dos 150 quilos. Depois de alguns apelos apareceu um acompanhante.

Tivemos cus enfrentar a situação e "agarrar" o esquife que, ainda por cima, tinha as alças colocadas ao contrário, com os vincos para baixo

Esta ocorrência ficou bern marcada e, por muito tempo, quando encontrava Adamastor ou vice-versa, um leve sorriso nos fazia lembrar o- que passamos a chamar a "grance tragédia".

Voltando ao pessoa; da "Ilhéus a Conquista*', lembro de um personagem dos mais conhecidos da ferrovia dada e sua função que o obrigava a um permanente contato com os passageiros.

Estou faiando de "La Pernet':; o chefe de trem. De estatura média, parecia sernpre zangado. Fiel curnpndpr das suas obrigações e na conferência dos bilhetes, não deixava passar nada. Verdadeiro terror dos caronas.

Certa vez, piíhando" o colega Lelinho com o passe de Souza Pinto, o gerente de “Diário da Tarde” quis “prender” o documento dizendo que o passageiro estava errado, já que não era legal e certo Leiínho viajar com o "passe" do gerente do jorna!.





O saudoso co!egaT sob uma gargalhada dos passageiros apenss disse:

— Nada "Lapernet" se tudo aqui fosse direito esta Estrada há muito tempo já estaria em Conquista...

Rubens E Silva Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 07/12/1980

Ilhéus na primeira década do “Diário da Tarde”

Está completando seu quadragésimo sexto aniversário o DIÁRIO DA TARDE, o "paladino dos eternos ideais de liberdade e defensor intransigente das causas ilheenses e dos interesses e aspirações da região cacaueira".

Fui seu primeiro funcionário que, com. o jornalista Carlos Monteiro um dos fundadores, saí de Belmonte para trabalhar no jornal, cujo primeiro número circulou no dia 10 de fevereiro de 1928, numa sexta-feira, com enorme expectativa e desusado interesse da parte da população.

Seus dirigentes e empresários desde o inicio daquele ano, desenvolveram intensa atividade e uma assistência intelectual e financeira das mais positivas, com uma certeza absoluta do êxito da iniciativa.

Efetivamente o DIÁRIO DA TARDE, que surgiu numa época de ouro da região cacaueira, vem atravessando os tempos com uma irrepreensível linha de independência e apoiado por todos .os setores, objetivo esperado e alcançado pelos seus iniciadores Carlos Monteiro, Eusínio Lavigne, Alcino Dórea e Francisco da Silveira Dórea que comandou a empresa por mais de- 45 anos, o que constitui um verdadeiro “record” na imprensa nordestina.

Na primeira década da existência do DIÁRIO, o jornal participou intensamente da vida da cidade, tanto no setor social, político como no esportivo. No setor político liderou a Revolução de 30 na região sul da Bahia, obrigando as autoridades de então lhes impor uma censura, motivando que diversas de suas edições saíssem com colunas em branco. Mas vitorioso o movimento um dos seus principais elementos, o Dr. Eusínio Lavigne foi escolhido Prefeito da Cidade, se constituindo um dos maiores dirigentes administrativos que Ilhéus já possuiu, responsável pela ampliação e desenvolvimento urbano.

Naquela época Ilhéus tinha uma vida. noturna intensa, com quatro cassinos funcionando. Os bares das praças do Vesúvio -e Firmino Amaral com um movimento enorme e os seus 3 cinemas funcionando diariamente com desusada assistência, o setor urbano era também muito movimentado.

As festividades que sempre, como ainda hoje, contavam com a colaboração do jornal, decorriam em plena animação, principalmente as religiosas, tais como as de Nª. Sª. das Vitórias, São Jorge e São Sebastião, que reuniam católicos de todos os setores da cidade.

O movimento esportivo com. a participação do Vitória, Satélite, Flamengo e Santa Cruz, era a paixão dos torcedores o que motivou a necessidade da construção do Estádio "Mário Pessoa", onde os campeonatos eram realizados em renhidas partidas.

Durante o Carnaval, os Pidões e Fiapos, sucessores dos Batutas e Bacuraus, além das escolas de Samba de Melé e Almir, faziam com que a população se concentrasse na Luiz Viana, com uma animação fora do comum.

As festas do Clube Social e da União Protetora e a participação do “Jazz Moraes", eram animadíssimas.

Noites de Reis com Aprígia e Domiense exibindo seus ternos bem organizados e as testas Antoninas nas casas de Mãe Tereza, Dª Clara e Rita, de Zé Luiz e Antonina Santana, terminavam com animados bailes que iam até altas madrugadas.

Também o São Cosme de Aflitina e São Crispim de Alzira de Aquilino reuniam destacados elementos dos mais variados setores sociais de Ilhéus que também não esqueciam de uma visita a Pai Pedro ou mesmo a Jubiabá quando aparecia na cidade.

O mais importante é que o DIÁRIO DA TARDE sempre foi distinguido por todos, da gente humilde aos destacados nomes da sociedade e da política que hoje, decerto, prestarão as mais sinceras e justas homenagens ao jornal que, passando pelas mais variadas fases econômicas da região, jamais deixou de cumprir o papel de "paladino dos eternos ideais de liberdade" a que se propôs.

Guanabara, Fevereiro de 1974.
Ilhéus, BA 06/02/1974

RUBENS E, SILVA

“Boca Rica” e as coisas da Central do Brasil.

RIO — Lá vem o trem da Centra. Chega na Estação intermediária praticamente lotado. Os passageiros que estão na plataforma não tomam conhecimento e ''forçam a barra", aumentando o número da usuários, parecendo ser impossível entrar mais gente. Pura ilusão, pois, na próxima Estação um trem avariado ocasiona nova invasão e um ex-bem acomodado viajante .amparado por um daqueles ferros de sustentação do teto. exclama: "trem da Central é igual a coração de mãe. sempre cabe mais um..."

Esta cena é uma constante nos transportes suburbanos da hoje Rede Ferroviária Federal (ex-Central do Brasil) principalmente nas primeiras horas do dia, ooasião em que os trabalhadores, vindos dos mais longínquos recantos do Grande Rio, se dirigem ao "batente"

Em dias de calor intenso a viagem fica insuportável e altera sobremodo o sistema nervoso dos passageiros e resulta nos tradicionais "Quebra-Quebra" de funestas .consequências, que poderia ser evitadas, se as intempestivas paradas das viagens, fossem devidamente explicadas. Hoje a direção da ferrovia apresenta um bom serviço de divulgação nas estações.

Em trânsito normal a viagem torna-se até divertida, fazendo até que os eternos mal-humorados consiga, algumas vezes, dar sinais de sua graça. quando das respostas (Intempestivas a qualquer intervenção jocosa .de um companheiro.

Há anos, conseguimos que daqui de Realengo, todas as manhãs, saísse uma composição com destino à cidade. Imediatamente o trem foi cognominado de "Boca Rica", o que era realmente para os moradores do populoso subúrbio. O "Boca Rica” se tornou conhecido por todo o Rio de Janeiro, pelas festas natalinas promovidas pelos seus usuários ,darante as quais o maquinista responsável — Bahiano — era homenageado .recebendo presentes dos viajantes que enfeitavam a composição. O verdadeiro "Trem da Alegria” durou' cerca de cinco anos e, apesar dos apelos .não mais voltou a circular. O interessante era que Bahiano, o maquinista nem conhecia a "Boa

A viagem em qualquer comboio ferroviário à qualquer coisa de divertida principalmente devido o convívio entre as mais variadas classes sociais que resultam em sólidas amizades, através de jogos de "sueca", debates políticos e discussões sobre futebol, corrida de cavalos e até palpites para o tradicional jogo-do-biclïo, o passa-tempo preferido pelos cariocas, ou melhor, pelos brasileiros.

Costumo ficar atento aos acontecimentos ocorridos nas viagens de coletivos, das quais colho assuntos para esta coluna que, em breve comemora cinco ancs (aí está incluído "Coisas do Passado") e hoje passo a relatar algumas cenas.

Estávamos em Junho, no rigor do inverno. O trem relativamente lotado e, a um canto, uma senhora "tiritava" de frio a ponto de estar encolhidíssima. Entra um senhor forte, amparado por um bom número de camisas escondidas por um aconchegante casaco de couro. Vendo a senhora pargunta. em tom de deboche se a mesma está com frio. Com a resposta afirmativa ele radiante se declara amante daquela temperatura. Gosto deste tempinho que a senhora não imagina, não sei como tem gente que reclama de frio.

A temperatura está amena. O trem estava cheio. Em um banco que cabiam uns sete estavam onze, quando em Cascadura, entra uma senhora "tamanho família". Um passageïro ïncomodamente sentado, oferece seu lugar a nova passageira que aceitando "aboleta" seus quase um metro no espaço de 20 centímetros que lhes foí oferecido.

Os pingentes são desabusados. Só viajam na porta do comboio. Dizem piadas a torto e a direito atingjndo aos transeuntes quando a composição passa perto de qualquer rua. Naquela dia de calor intenso uma turma de trabalhadores da via permanente, num trabalho ingrato de ajusta os dormentes com pedras britadas que fazia sair suor por todos os poros, Passando por perto, um pingente, grita:

—-Ei meu chapa, está encoatondo ouro aí?

Ninguém ouviu a resposta-reação dos trabalhadores. Foi bom assim.


Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 07/07/1980

As festas de Cosme e Damião

RIO — Rubens Correia, ou melhor Rubens da Associação, o veterano estatístico da Associação Comercial de Ilhéus, que deve estar se aposentando, pelo tempo que exerce, na tradicional entidade da Praça J.J. Seabra, de vez em quando, através de "Coisas e Fatos de Ilhéus", tece considerações acerca de macumba e candomblé, demonstrando ser um assíduo freqüentador da casa do Pai Pedro, lá no Alto do Basílio, além de conhecedor profundo da história dos "Terreiros" da região cacaueira.

O velho amigo das noitadas de Ilhéus, para minha surpresa, nos escritos confessa que desde os idos de 30 "está por dentro" das coisas de Oxossi e Ogum, acompanhando a saudosa "Mãe Percília", do Pontal, substituída por "Mãe Conceição", sendo agora um "fam" incondicional de "Pai Pedro” no seu terreiro no Basilio, onde naturalmente recebe os fluidos do tradicional "bruxo", considerado atração turística da cidade.

Naquele tempo o candomblé era considerado contravenção e sua prática era perseguida pela polícia, que não dava tréguas aos "cambonos", muitas vezes presos com os seus seguidores e seus apetrechos.

Hoje a coisa mudou. As macumbas estão em todos os lugares. Os "pegys", que funcionavam nos longínquos recantos, estão funcionando nos centos urbanos e, muitas vezes, como acontece aqui no Rio, não respeita a Lei do Silencio, amparados que estão por diplomas gerais.

O pior é que a profissão está sendo exercida, em muitos casos, por impostores que apenas visam a exploração dos incautos, pondo "para trás" àqueles que praticam Umbanda com fins puramente humanitários, não visando lucros.

Numa última crônica o Rubens da Associação se refere a "Festa de Cosme e Damião" e depois de fazer um histórico dos dois "mabaços", popularmente conhecidos e festejados, noticia a festa que o, também companheiro das festinhas de aniversários, Chico Caraneba, ia proporcionar aos seus amigos, quando o tradicional caruru e o apimentado vatapá, iam "rolar" durante à noite.

A notícia me fez recordar festas dos “dois dois” nas décadas de 20 e 30, nas casas de Pai Pedro, Jorgina, e especialmente, a promovida por Aflitina, esposa do "Flamengo doente" ' António da “State”, no início da Avenida 2 de Julho, perto da subida do Alto de São Sebastião.

Apesar da preferência dos anfitriãos .pelos 'amarelinhos", no dia 27 de setembro não havia discriminação.

Todos eram recebidíssimos. Desde as primeiras horas da tarde, começava a romaria e a distribuição de bebidas com certa reserva. Sim, a coisa começava calmamente até a chegada do Dr. Lopes e do chefe político tradicional Álvaro Vieira, além de uns outros destacados elementos da cidade. Eles davam uma espécie de sinal verde para as comemorações, uma vez que a primeira mesa dos "comes e bebes" só era servida quando eles chegavam, não adiantando a indocilidade da rapaziada, tão natural em ocasiões desta natureza.

Anos depois soube porque o privilégio, que era quase exclusivo do Dr. Lopes. Respondendo a uma indagação que fiz, Dona Aflitina, uma excepcional mãe de seis filhos, declarou:

— O compadre Lopes é a única pessoa que pode "batizar" a toalha dos "meninos", em primeiro lugar.

Efetivamente, nas casas onde festejavam Cosme e Damião, os participantes limpavam as mãos numa toalha que a dona da casa trazia pendurada no cós da saia.

Nunca soube o porquê dessa tradição, respeitada por todos participantes das festas espalhadas por toda a cidade.

Aqui no Rio as comemorações, de modo geral, se resume na distribuição de "balas" e doces para a. criançada. São raras as casas —naturalmente . de baianos — que oferecem caruru, acarajé e vatapá, dentre outras comidas cosidas com azeite de dendê.

Jornal da Manhã Ilhéus/BA 18/10/1978

O curió e os discursos de Ruy

RIO — Sem dúvida, um dos chefes de estado mais criticado pela imprensa é o irrequieto Idi-Amin, de Uganda.. Creio até, num 'teste' de comparação, ele ultrapassou Adopho Hitler. Os termos mais pejorativos são aplicados ao governante africano que já foi, inclusive'taxado de antropófago.

Francamente temos que dar um desconto nestas assertivas pois, ao que .sabemos, o homem foi educado nas mais importantes universidade de Londres, freqüentando os mais destacados meios universitários, obrigado, portanto a, pelo menos, se portar como cavalheiro, dando exemplo aos seus milhares de súditos, que o fizeram seu líder, com os quais se mistura em dias festivos.

Agora mesmo, leio uma notícia que Idi Amin está bastante preocupado com a existência de um cágado recolhido no Jardim Zoológico da sua cidade. E que o animal deu para falar e ,segundo a imprensa. isto o apavora. Supersticioso, que é, pensa o chefe-africano, tratar-se de um prenuncio "de coisas desagradáveis prestes a acontecer ao seu povo. Não acredito que a notícia seja verdadeira.

Mas, este negócio de bicho falar não é novidade. Desde o principio do mundo casos idênticos são registrados. Certo ou errado, muita gente acredita á. em tais fenômenos e até ouve e interpreta a fala dos irracionais. Em contra-partida, muita gente não acredita. Porém, no que todos concordam ó que só os papagaios são capazes de falar.

A notícia do cágado falante de Uganda, me fez lembrar de dois. casos ocorridos ,há muito tempo, que confirmam a crendice popular e a incredulidade de outra parte ,em tais cases. Certa vez, nos idos de 30, surgiu a notícia de que nas imediações de Banco da Vitória, todas as noites, esvoaçava, uma gigantesca ave que mandava os moradores da região trabalharem. (Tratava-se de um JAPU) A insistência da notícia, foi o bastante para muita gente, residente em Ilhéus, organizar caravanas para verificar o fenômeno. A maioria se dirigia ao local a pé. Muita gente voltava confirmando a notícia, porém, outros declaravam nada ter assistido nem ouvido. O desfile se prolongou por algum tempo. Da mesma forma que surgiu, a ave desapareceu e com ela os romeiros de Banco da Vitória. O importante foi que na época não houve aumento de produção, fazendo crer que ninguém seguiu o conselho da misteriosa ave.

Em Belmonte, um senhor chamado Coutinho, pequeno negociante, estabelecido junto à cadeia pública, na Rua Sete, possuía um Sabiá-Laranjeira que falava. Repetia constantemente o nome da companheira do negociante. Ela. se chamava "Deja”. Fato verdadeiro e que até hoje é lembrado pela «velha-guarda» da cidade.

Certa vez, o saudoso jornalista Carlos Monteiro, numa de suas viagens a Salvador, a bordo de um navio da "Bahiana», participou de um grupe de viajantes que contava coisas excêntricas c casos raros. A certa altura o jornalista resolveu contar o caso do Sabiá-Laranjeira de Coutinho, com detalhes para confirmar a veracidade do fenômeno, ratificado por um belmontense presente. Mesmo assim a maioria demonstrou dúvida na existência da ave, através da frieza sentida pelo jornalista .

Mas, como sempre acontece, um dos viajantes quebrando a frieza de ambiente declarou o indefectível "isto não é nada” e atacou:

— Na minha cidade conheci um Curió que sabia de cor e recitava todos os discursos de Ruy Barbosa...

Nunca mais Carlos Monteiro contou o caso do Sabiá do Coutinho..

Jornal da Manhã Ilhéus/BA 14/09/1978

Um “record” difícil de ser superado

RIO — “Eis aqui uma figura simpática e insinuante, além de boníssima. É uma das pessoas mais prestigiosas desta região..."

A figura simpática que o Teixeira saudava, naquele dia de festa em Pirangí, não passava de um personagem parecido com o lendário Quasimodo, do sensacional filme "Corcunda de Notre Dame". Mas o objetivo da efusiva e despropositada saudação foi alcançado. A despesa que fizemos – eu, Lelinho e o orador, foi paga, acrescida de mais uma "rodada".

Esta cena se passou na Pïrangi, por ocasião de um passeio; ferroviário, cuja principal atração era uma partida de futebol.

Era assim o saudoso companheiro e amigo Teixeira, o António Benvindo Teixeira, um dos fundadores do-"Diário da Tarde", que, há cinco anos, falecia aí na Capital do Cacau, onde viveu cerca.de 45 anos.

Estava ."eu em Salvador, justamente para assistir a tradicional Festa do Bonfim, quando, naquele Janeiro de 1973 ,o companheiro de longas datas, Juvenal Silva, num encontro ocasional, me deu a notícia do recente falecimento do colega, cujos laços de amizade datavam de 1928, justamente em Janeiro, na sua chegada de Salvador.

Meses antes, em Ilhéus, havia me encontrado com o colega e amigo notei a sua decadência física, minada, conforme suas palavras, por motivos familiares, mas, na verdade a situação chegara naquele ponto, pela teimosia do amigo em esquecer as agruras, ingerindo pequenas mas continuadas doses de "traçados". Sabia que os conselhos de nada iam valer, mesmo assim, confiado na amizade, os dei, naquele encontro lembrado.

Teixeira Já não era aquele dos idos de 20. 30 e 40 que conheci, cheio de entusiasmo, sempre pronto para um discurso ou um recitativo, Aquele que "nas festividades encontrava jeito de por falação. Era diferente do Teixeira"; que, nas chegadas do interior, de onde sempre trazia algum" para a folha do sábado, fazia "suspense", surgindo, pela Cel. Paiva ou Eustáquio Bastos, quando a turma não tirava os olhos da Paranaguá, finalmente naquele encontro me deixou a certeza que seus dias estavam chegando ao fim.

Mesmo assim a notícia do seu desaparecimento, transmitida pelo funcionário da Coletona Federal em Ilhéus, Juvenal Silva, ali na Praça da Sé, em Salvador, me deixou desolado. era mais um velho companheiro que deixava este mundo, indo para onde já estavam Lelinho, Roques Sousa Pinto, Aristotelino e, para onde iriam Francisco Dórea, Eusinio Lavigne, Edmundo Araújo e Moura, todos da primeira arrancada do tradicional jornal da Rua Paranaguá.

Mas hoje, esta coluna presta uma homenagem póstuma ao Teixeira pela passagem do quinto aniversário do seu falecimento.

O velho amigo, certa vez realizou. uma façanha, creio, difícil, se não impossível de ser igualada. O fato ocorreu em Banco do Pedro, por ocasião do "aniversário do seu chefe, Ciriaco Marinho de Sá, um verdadeiro "gentleman" sempre disposto a dispensar um tratamento distinto ao seu próximo e. por este motivo, bastante relacionado em toda a região..

Festejava o destacado chefe político seu cinquentenário e o acontecimento era motivo de manifestações das mais variadas classes da área servida pela State.

Como não podia deixar de ser. lá estava nosso amigo Teixeira, que fez a primeira saudação ao aniversariante, logo respondida. Em seguida, antes dü almoço, foram chegando as embaixadas para felicitar o chefe de Banco do Pedro.

A certa altura, Teixeira foi escolhido para agradecer as homenagens, mas também era convidado para representar algumas dslegaçôes, animado com as sucessivas doses, o nosso amigo realizou uma façanha inédita. Saudava o homenageado ao mesmo tempo em que agradecia a manifestação dos convidados.

Naquele dia o saudoso companhciro fez nada menos do que 16 discursos. Um. verdadeiro "recorde"' e um caso inédito em festas natalícias.



Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 26/01/1979

Verdadeiros acertadores dos treze pontos

RíO — ''Uma francesa hospede do Üthon Hotel, provavelmente deslumbrada com seus dotes vocais nas interpretações de marchinhas carnavalescas, exagerou e pegou uma infecção na garganta, sendo obrigada a recorrer aos serviços de um médico. Com a ajuda de uma amiga cadoca descobrindo um médico que falasse francês, que a visitou e examinou, no hotel, a garganta, e receitou meia dúzia de antibióticos, cobrando 100 mil cuzeiros". Esta neta acabo de ler no Jornal rïo Brasil, na Colune Zózímo, de Zozimo do Amaral, uma das mais lidas e que reflete o movimento social da elite, segundo as más línguas, plenamente confirmadas pelas boas, o "papa" do colunismo, Ibrain Sued conseguiu ficar milionário.

O registro me fez lembrar o acontecido, há muitos anos, na minha Belmonte, na época bastante comentado nas altas rodas.

A cidade sulina na ocasião, era assistida clinico e praticamente, por doís médicos. Dr. Zanine Caldas, pai do famoso engenheiro e conhecido em todo o país José Zanine, introdutor, no Brasil, do sistema pratico de exibir, juntamente com a planta baixa, uma "Maquete", mostrando a miniatura do prédio a ser construído. O outro facultativo era o Dr. José Teixeira de Freitas, conhecido por Dr. Zczé. Este mais inclinado no atendimento das pessoas carentes, moradoras nos subúrbios, o que representava verdadeira "mão de , obra". já que as longas distâncias eram cobertas a pé. E a distancia que separava Ponta de Pedra Areia e a Preguiça, em termos de comparação era a mesma, em Ilhéus, entre a Ponta da Pedra e o Malhado.

Posteriormente os facultativos transferiram suas residências. Dr. Zanine veio para São Pauio e o Dr. Zezé para Salvador, onde segundo notícias faleceu vítima de insidiosa doença.

Certo dia desembarcou em Belmonte um novo médico, creio vindo da Capital baiana. Imediatamente se "entrosou" com os filhos da terra, acostumados a abraçar "gregos e troianos" que aparecessem, sem procurar da procedência, quanto mais exigir antecedentes. E quanta dor de cabeça motivou tal desinteresse...

Entrementes... No mesmo período adoece um velho fazendeiro conhecidíssimo pelo seu amor ao "vil metal", para ele não tanto vil assim, pois todo que conseguia chegar às suas .mãos, dificilmente voltava a circulação. No início a desculpa de tanto achego ao dinheiro era o de ter uma velhice mais tranqüila o que não estava acontecendo, pois continuava a "amealhar", ou melhor 'acolchoar' — o dinheiro era guardardo dentro do colchão —-tudo que ia arrecadando.

Estou falando do velho Eustáquio que residia na Praça João, onde hoje está instalada a filarmônica "15 de Setembro". Sua paixão.

Doente, insistia, na cura através de chás ou rezas por ser muito mais barato. Nem falasse com ele da necessidade de assistência médica. Aí o homem ficava mais doente. Naturalmente a coisa foi piorando com o enfraquecimento físico do velho avaro. Sentindo que estava na "ultima curva" Eustáquio resolveu atender seu confidente, Ceciliano Marques e receber a visita, de um médico. A urgência e o estado de saúde do doente fez com que se chamasse qualquer clinico. E o "qualquer" encontrado foi justamente o recém-chegado, cujo nome, se não me falha a memória era Dr. Berenguer, que chegado a casa do seu novo cliente teve urna impressão das piores.

O homem estava moribundo. Não havia mais nada a fazer. Para não perder a 'Viagem", um remédio paliativo enquanto aguardava o momento de assinar o óbito, que foi feito logo depois.

Ao apresentar a conta, alguém “soprou" o médico que podia se 'servir' já que o extinto era largamente abonado. Desconfiado com a informação o facultativo procurou se inteirar da situação daquele que, ao seu ver um pobretão. As informações eram sempre a mesma. O homem é riquíssimo.

O doutor então suspirou e, mesmo se diz hoje, “mandou brasa". A assistência clínica custou 5 contes de réis. Uma verdadeira fortuna.

Corno o médico que atendeu a francesa no Othon, acertou em cheio nos 13 pontos e desapareceu da cidade.

Rubens E Silva JORNAL -DA MANHÃ. - Ilhéus/BA 23/03/1981

WALDEMAR VIANA E SUAS SUBVENÇÕES

Na vasta região eleitoral, a 15ª Zona Eleitoral , está incluído o Conjunto Residencial de Realengo. Naturalmente muitos políticos montaram seu reduto político no setor que compreende alguns subúrbios tais como Marechal Hermes, Deodoro, Realengo, - um dos mais populosos do Rio, Padre Miguel e Bangu. Alguns destes políticos só aparecem em tempo de eleição e sempre amparados por cabos eleitorais residentes na localidade.

N a verdade os mais lídimos representantes de grande parte da Região Eleitoral foram Ubaldo de Oliveira e Valdemar Carvalho de Vianna, sendo que este 5 por morar no Conjunto Residencial de Padre Miguel, se tornou o autêntico defensor da localidade , onde deixou importantes obras das quais se destacam Hospital Olivério Kremer, podemos dizer feito "no peito" já que enfrentou uma série de dificuldades para conseguir a sua construção. Dificuldades estas iniciadas com a sua localização dada a negativa do Instituto dos Industriários de conceder uma área das suas vastos terrenos.

Waldemar Vianna já falecido, tinha um modo explosivo de alcançar seus objetivos, não se deixando desanimar diante de qualquer empecilho e que lhe valeu o prestigio entre todas as camadas do eleitorado.

Certa vez, por ocasião da feitura do orçamento anual da então Prefeitura do Distrito Federal, dotou os principais clubes de Realengo com subvenções. entre estes escavam o Centro Recreativo dos Industriários do Realengo (CRIR), o -Cruzeiros Futebol Clube e o Liberdade Independente Clubes Associados (LICA) este formado de funcionários da antiga autarquia dos Industriários).

Aprovado o orçamento, estas agremiações se juntaram para receberem as subvenções, encontrando uma série de dificuldades para conseguirem seu intento. As investidas sobre os setores financeiros da Capital Federai eram infrutíferas, e a. proporção que o ano ia se findando, o perigo do auxílio financeiro cair em "exercícios findos", ou seja a perda total da dotação.

resolvemos então procurar o vereador Valdemar Viana e levar ao seu conhecimento o que vinha ocorrendo- O edil não gostou de ser procurado tão tarde, ao mesmo tempo em que confirmava o a compromisso da parte do prefeito de pagar as suas dotações em face de uma “troca de favores", tão comuns entre legisladores e executivos

Imediatamente o vereador marcou uma entrevista com o prefeito "Embaixador Negrão de Lima, por sinal excepcional pessoa humana que caiu "no goto do carioca.

O encontro seria no outro dia. No local e hora aprazados estávamos todos reunidos e "marchamos" para o Palácio Guanabara. ao chegarmos à sede do Governo, o Prefeito Negrão de Lima estava de saída para gravar um programa radiofônico.

O Viana não se deu por vencido e mesmo na porta do palácio abordou o govemador que, com elegância e calma impressionantes ao ouvir o motivo da visita, disse não ser possível o pagamento das subvenções, pois o Estado não tinha a verba necessária.

Atônitos ouvimos o vereador responder:

Isto é uiïia desonestidade de Vossa Excelência, Deve se lembrar que votei uma proposição do vosso governo devido ao compromisso da pagar o auxilio para meus clubes.

Dizendo isto Viana deu as costas quase nos deixando sós, enquanto o embaixador tomava seu carro para cumprir a sua agenda.

Dias depois fomos chamados para receber o auxílio, ou melhor, 50% do auxílio.

A reação do político valera a pena


Rubens E Silva

domingo, 12 de outubro de 2008

Um país que virou “Terra do já teve”

Rubens E. Silva 24/02/1981



RIO — Quase todo belmontense conhece duas frases que, quando pronunciadas, há nuitos anos, refletiam a realidade da vida e a transformação da cidade sulina: "Belmonte é um Pais" e "Belmonte é a Terra do Já Teve".

"Belmonte é um País" foi dita na segunda década deste século por destacada figura dos meios jurídicos belmontense, pelo primeiro promotor público, quando a localidade foi elevada a categoria de Comarca, se desmembrando da jurisdição de Porto Seguro em 1898 causando verdadeiro desgosto aos canavieirenses que passaram a Termo quando esperava voltar a cabeça de Comarca, o que aconteceu anos depois para o desespero dos be!montenses.

Dr, Pericles Vieira de Melo — este o nome do Promotor — tinha suas razões ao anunciar sua sentença, ante urn grupo que todas as tardes ia jogar Gamão em frente da casa comercial de Pedro Serra, na Praça 2 de Julho, ponto de reunião da intelectualidade local. Na época a cidade possuía, nas devidas proporções, tudo de uma Metrópole, inclusive Academia de Letras formada de destacadas figuras da sociedade e da política do Estado representadas, na sua câmara alta pelo senador Wenceslau Gomes de Oliveira. Exïstiam varias publicações lideradas pelo "Lábaro", dos Monteiros e o "Imparcial" de José Joaquim de 'Magalhães. Inúmeras casas comerciais com destaque nas compradoras de cacau, em grande número. Duas boas filarmônicas, das quais uma ainda sobrevive, com extrema .dificuídade a "Lyra Popular". Um Tiro de Guerra — o 595 — dos mais destacados do Estado. Corridas de Cavalo. Corpo Cênico. Organizações carnavalescas. Escolas primárias de níveis elevadíssimos. Tudo em. aiividade permanenjte incentivado peias facções políticas e o espirito bairrista, explorado inteligentemente por seus lideres.

Mas a proporção em que o rio Jequitinhonha foi devorando a cidade a estrutura sócio-recreativa foi desaparecendo, agravando tal situação com o desaparecimento de destacadas figuras, por transferência de domícilio ou pelo "ponto fina!" da caminhada. Uma vasta área que margeava o rio foi levada de roldão. Ruas como o Boquete, Ponte, Quartéis, Deodoro, Cajueiro, Gameleiio, desapareceram acompanhando o cemitério velho localizado no ponto mais visado pelas águas, que invadiam as .''"barcaças" do sistemático Maia e de Olegario Matos.

Nessas alturas o Governo Federal resolveu tomar unia providência mandando a "expedição" Cândido Graffe construir um cais de amparo a cidade que impediu o desaparecimento da cidade, principalmente devido a construção de um espigão na altura do Freire, inexplicaveímente demolido depois de alguns anos.

Aí é que entra a segunda frase e o seu autor foi o saudoso português Benjamin Andrade, radicado em Belmonte e dono cie um estabelecimento comercial. Bemjamin participava das atividades literárias e esportivas locais e certa vez em frente a Coletoria Federal, numa discussão com Otávio Melo sobre a cidade, terminou o "papo" com o dito que ficaria gravado na história belmontense: "Belmonte é a Terra do já teve".

De fato tudo que foi relatado no inicio da crônica era coisa do passado. Ninguém sabia como tinham acabado os jornais, os corpos cênicos, a Academia de Leiras, o Tiro de Guerra 595, as corridas de cavalo, os Clubes Carnavalescos "Filhos do Sol" e "Cavalheiros da Minerva", nem tão pouco a sua remanescente “as Brasileiras". As retretas natalinas das bandas e os tumu'tuosos encontros que acatavam em pancadaria, o mesmo acontecendo nos jogos de futebol entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Finalmente Belmonte estava reduzido, em termos de recreação, ao Cinema com funções em dias alternados.

Até os tipos populares haviam desaparecido. Domingão, o filósofo que quando queria falar de um político local, trocava seu rome pelo um dos adversários que estava "de baixo". Cardoso um inveterado "pau d'a^ua" a chamar todos .de ladrões. Carlos Cego que andava por toda a cidade sem guia e tantos outros que faziam a história da cidade, como Cândido D'Agua o português que .revidava as anedotas sobre a inteligência do seu povo dizendo que burros eram nós que comprávamos a nossa água por ele vendida. ,

Tanto Dr. Pericles como Benjamin Andrade estavam certos nas suas sentenças.

Tolentino e o castigo do céu

RIO — Em meados de 1927, como que prevendo a minha mudança para Ilhéus, numa espécie de despedida, fui passar uns dias no antigo distrito de Belmonte, hcje a emancipada Itapebí,. sul do Estado da Bahia, ficando hospedado com minha tia Augusta, bastante relacionada na cidade e, como disstração, passava horas no bazar do primo Petrônio, assistindo seu desembaraço em atender seus numerosos fregueses, sem o auxilío de empregado, ao meu ver necessário, tendo em vista o estabelecimento vender toda espécie d.e mercadoria — do seco e molhados aos produtos farmacêuticos, além do fazendas e perfumarias.

Era Junho e, como visitante fui convidado a participar das festes juninas na fazenda de Joaquim Bamba. Foram três dias animadíssimos com bastante "comes e bebes" e os participantes obrigados a uma maratona, onde as palavras dormir e descansar estavam em recesso.

Na época os remanescentes do caudilho Jucá de Vicente ainda ïnantinham o

prestigio,adquirido pelo.chefe durante alguns anos, quando tudo ou quase tudo era resolvido na "Estrela do Norte", defronte da localidade -Conheci na época, Sylvio Toste, Eliezer Marinho, Bolandeira, Edson Moura, Aprígio Melo, Elpídio Bitencout os Sousas, os Cardosos e o eterno blasfemador Lamarca. Lá já estavam os belmontenses

Bejamim Andrade, Louríval Sacramento, João Suzart e outros, com quem todas as tardes batia um "papo" no Rabo de Gata ás margens do Jequitionha, onde vez por outra, vinha a baila a morte de Tolentino, vítima da fúria dos elementos.

'Tolentino, como inveterado jogador, participava das rodas de jogo, conhecedor que era dos macetes da ronda, 21, cucamplé, 7 e meio, poquer além da popularíssima escopa, também conhecida por belo trazida a região pelos italianos que, no princípio do século "pousaram" em Belmonte, onde ainda residem inúmeros descendentes, sempre colaborando para o progresso de uma enorme região.

A trágica ocorrência se verificou em 1924. Tolentino no auge de :uma fase de azar. em que nada dava certo, ao sair de uma "cafuá" jurou não maispegar num baralho para jogar, exclamando transtornado: «Quero que um raio me parta no dia era que eu sentar numa mesa, de jogo.

Ninguém acreditou no juramento, Afinal não era aquela vez que um jogador fazia idêntica promessa e se "arrependia" na "primeira- oportunidade, Entretanto, contrariando os prognósticos, o velho viciado nas «52» mantinha o juramento, resistindo aos convites para tentar novamente a sorte, Tudc levava a crer que os viciados'haviam perdido definitivamente um parceiro .

Mas um dia Tolentino não "aguentou a paarada”. O tempo estava nublado ë tudo indicava uma tempestade. Os colegas do antigo viciado estavam reunidos nas imediações da casa de Humberto Cardoso, onde vez por outra iam se "divertir". Faltava mais um parceiro. Tolentino vai passando, e a um convite, com alguma exitação se prontificou a assistir a "brincadeira", enquanto chegava outro companheiro. A demora, de "aparecer alguém fez com que o. jurador,.;que até momento íntcncionava "peruar" o jcgo, se prontificasse a entrar, na :”patota”' se loalizando à cabeceira o!a 'mesa "e dando o primeiro"corte" no baralhio:

O tempo íoi piorando. -Trovoadas relâmpagos, comuns na região, pareciam não mais acabar. Muito ao coii trário, aumentavam de intensidade. O "cacife", como sempre, levava a parte do leão determinando o fim do encontro.

Alguém gritou — e todos aceitaram — que aquela seria a última rodada. Carta disstribuída.: A turma ia apertando. Uns pedindo cartas e outros desistindo. Chegou a vez de Tolentino. Um'forte trovão acompanhado, impediu a jogada de Tolentino que estava estático.

O companheiro de lado advertindo sobre a demora, lhe tocou no ombro e, para o espanto geral Tolentino estava fulminado. uma faísca elétrica, caída na cumeeira da casa varou o esteio," onde o jogador estava encostado e o eletrocutou como esemplo do juramento “quebrado”.

Um velho que assistia o relato sentenciou: ''Relampo só faz má se a gente sincosta nu pau quele apósa»..."

Rubens E. Silva Jornal da Manhã Ilhéus/BA 01 Mai 1980

Reminiscências de Belmonte – “I”

RIO – Foi um dia maravilhoso aquele em Queimados, na Baixada Fluminense quando o assunto predominante foi Belmonte.

Pela manhã, com o genro Florisvaldo, resolvi visitar o velho amigo-irmão Symaco Américo da Costa, jornalista e memoro da Academia Brasileira de Trovas, hoje gozando de tranqüila aposentadoria, depois de 35 anos na organização “Associada”.

Da Costa, na intimidade, filho do saudoso Messias, mestre de bandas, conhecido na Bahia e norte, de Minas, nos idos de 20 e 30, é canavieirense de nascimento mas belmontense de fato, criado que foi nessa, terra onde passou a fase da irresponsabilidade, ou seja a juventude, participando, com" certa reserva das molequeiras dos seus companheiros da Lyra e Tiro 595. Com saudade e certa emoção relembramos àqueles bons tempos.

mal ,cheguei a casa do conterrâneo, fui recebido com uma saraivada de perguntas sobre .Belmonte atual e seu. propalado desenvolvimento com o dinamismo ,do jovem Luiz Guimarães, o prefeito de 1977, descendente de tradicional família de políticos cujo tronco foi o senador estadual Wenceslau Gomes de Oliveira, pai do saudoso Hamilton Gomes de Oliveira, que a revolução "de 30 encontrou como intendente da cidade, Queria saber se a cidade estava amparada com o cais construído pelo Godofredo Bandeira, obra que evitou o seu arrasamento,

deviido ter Horacio Farias ter determinado a destruição da barragem da curva do Freire,no período anterior ao -biênio 1938/1939 Depois passamos em revista as figuras de destaque .do nosso tempo,.das.,.quais ainda existem poucos. Lembramos de Vitorino Anastácio, os Brasões, Mário Andrade, os Conceições, Jersulino Lopes os Melos (Felismino s Poassü) Mário Andrade, Sebastião Pinho, os Matos, Artur Lobão, os Magnavitas, Raul Monteira, Trajano Reis, Benjamim Andrade, José Vencedor, os Peixotos, Tiago Valverde, Frei Belém, os Vianas, Pedro Serra, os Storinos, Amando Rocha, Lafayete Ataydes, os Paternostros, os Ba hias, Melquiades Nascimento, os Barros, Raul Barbosa, Aristóteles Duarte , José Vencedor, Porfíria, tia Xica, Permínio Santos, os Carneiros, os Marselis, Braz Gifoni, Januário Paiva, Alfredo Matos. Hermelino de Assis, mestre Arcelino, os Saturninos (Costa e Santos), João Cebola, Heitor Camacho, os Ramos (José e Joaquim),"os Bandeiras José Vente, os Salumes (Miguel e Jorge), Artur Vieira Grossa, Orlando e Carlos Cruz e tantos outros que na sua maioria'serviram de exemplo para a formação da nossa geração, lapidada, pelos nossos professores, de que tratamos na próxima crônica..

Lembramos que a vida da cidade girava em torno de duas facções políticas divididas entre as filarmônicas existentes: Lyra Popular e "15 de Setembro, Até os clubes de futebol eram divididos entre os partidos políticos com exceção dos dois fundados pelo professor Lúcio, a Associação Atlética e o Floriano, uma espécie de coluna do meio, cujos, torcedores, conforme seus adversários eram da “15” ou da Lyra

Os clubes recreativos tais como Ternos de Reis. Blocos formados de gente dos dois partidos, obrigados que eram obrigados a percorrer toda a cidade, mas havia exceções.

A rivalidade entre s garotada de Biela e Ponta de Areia proporcionaram verdadeiras batalhas que terminaram tragicamente com a morte de um ,garoto da turma da Preguiça, que traumatizou a população e obrigou a autoridade policial tomar enérgica providência para eliminar a rivalidade.

Lembramos de Jose Mãozinha e Maciel Santana que se bandearam da Lyra para. a "15”. Um verdadeiro escândalo e os dois músicos ficaram marcados pelos seus adversários.

Mas convenhamos- que tal rivalidade tinha seu lado positivo, principalmente entre as filarmônicas. Os debates musicais em frente' a igreja de: N. S. do Carmo, eram sensacionais e só terminavam com a intervenção das autoridades, muitas vezes depois de mais de 24.horas quando, por exemplo, repetir uma partitura, podia transformar a festa em verdadeira guerra entre os adeptos das "bandas"

Os coretos verdadeiras obras de arte, eram a atração nas praças 13 de maio (Lyra) e 2 de Julho (“15”).

A política partidária continuará a ser assunto para a próxima “Coisas Velhas e Novas”.


Rubens E. Silva

Raulino Santos – Um verdadeiro craque

RIO — Ha dias precisava me comunicar com Belmonte, para fazer chegar, a pessoa amiga, o resultado de uma "investigação" solicitada, que consistia em localizar, para uma mãe aflita, seu fiiho nesta Metrópole. Justificava a preocupação a falta de notícias do;jovem, cuja genitora o julgava desaparecido.

Resolvi telefonar para o Hospital Santa Casa da Misericórdia onde na certa, encontraria seu provedor, o dinâmico Tenente Jerônimo Rozendo de Oliveira — para mim o sempre Gilozinho de dona Cezarina — afim de que o mesmo transmitisse já ter localizado o "desaparecido", pondo fim a natural preocupação da família do rapaz, que por sinal já havia "dado sinal de vida" a seus parentes.

A escolha do Tenente Jerônimo para a comunicação e justifica pela certeza de encontrá-lo ao "pé da obra", já que o dirigente do Hospital da Praça da Matriz dá um plantão de 24 horas por dia; na remodelada casa, hoje uma das melhores do sul-bahiano, dona que é de moderníssimas instalações. E não estava, enganado. O telefone foi imediatamente atendido, através de uma transmissão nítida, apesar da comunicação ter sido feita em hora de intensa movimentação.

Mas, enquanto eu dava o meu bom recado — limitando o tempo com receio da implacável Companhia Telefônica — recebia uma notícia desagradável, Estava dando entrada no Hospital, com graves problemas cardíacos, o velho amigo e companheiro de infância, Raulino Santos. Pela forma com que Gilozinho falava, senti logo o drama do conterrâneo cujo restabelecimento era difícil, conforme se verificou logo depois com o seu falecimento.

Raulino, na época de ouro do futebol ilheense. esteve na Capital do Cacau, integrando a equipe do América Esporte Clube, na segunda metade da década de 30 quando demonstrou o seu 'virtuosismo' no velho Estádio do Satélite integrante que era de uma das melhores linhas dianteiras exibidas na cidade, formada de Tavinho, Nelson Monteiro, Raulino, Bem e Nascimento. Atrás estavam Labirinto — substituído por Aires — Orlandinho e Vadinho. Rafael Filhinho e Filó.

A impressionante exibição de Raulino —um centro-avante de pequena estatura fez com que dirigentes do Vitória tentassem a sua transferência de Belmonte para Ilhéus, inclusve garantindo ao esportista visitante um emprego na firma Wildberger, que seria uma simples transferência, já que Raulino trabalhava numa firma congênere na sua cidade, ou seja na Rapold, Manz e Cia., compradora de cacau. Na época houve até uma reunião no escritório do Loyd Brasileiro com a participação de Amaral Carneiro e Chico Pinto quando as alegações dos locais não convenceram o "crack" belmontense que, diga-se de passagem, anos depois me confessou arrependido, principalmente pela discriminação sofrida quando de sua aposentadoria, depois de muitos anos de dedicação.

De há muito Raulino que foi vereador em várias legislaturas e funcionário da secretaria da Câmara Belmontense, vinha como traumatizado e, quando podia se desviava dos velhos amigos nas periódicas visitas a "santa terrinha" para render graças a Nossa Senhora do Carmo. Comigo era difícil o desencontro, pois sempre "forçava a barra" e conseguia alguns momentos para as lembranças gostosas das noites enluaradas da Praça da Matriz, quando passávamos em desfiles respeitáveis personalidades como Tiago. Valverde, Pedro Bandeira. Permínio Santos. Teófilo Barros, Antônio de Astério, Ascânio Imbassay, Melquíades Nascimento, Saturnino Costa, João Bambola" Melo Poassu, Dr. Péricles Trajano Reis, Inocêncio Costa. Epifânio Conceição, José e Joaquim Ramos de Andrade, Jersulino Lopes e uma plêiade de homens que fizeram época na nossa cidade, por nós respeitados e até reverenciados.

No ano passado, num rápido encontro na remodelada Praça 13 de Maio, eu e Osvaldo Peixoto — outro belmontense que "se mandou" para outras paragens mas anualmente presente às solenidade em louvor a Virgem do Carmo — revivemos momentos ;da nossa infância, juntamente com Raulino Santos que estava até eufórico inclusive soltando gostosas risadas; como que se despedindo de dois companheiros velhos.

Naquela tarde lembramos de Eusébio Quebra-Varas, pai do fazedor de "arrais" o barbeiro Panfilo, no dia em que '"afanou" uns quiabos do compadre quitandeiro Zé Mamão e pôs na cabeça, cobrindo com o chapéu, mas que na chegada de um terceiro personagem, se esqueceu do produto do furto e, se descobrindo, sob o espanto geral, viu os quiabos se espalharem pelo chão.

Prefiro lembrar o Raulino eufórico e contador de casos para esta coluna ao triste, sorumbático e arredio Raulino um dos monstros sagrados do futebol belmontense.

Rubens E. Silva Jornal da Manhã – Ilhéus, BA 12/Dez/1980

Pandeiro Manso de Paiva Coimbra

RIO — Antigamente, através; de poucos e tradicionais impostos, o governo subsidiava alguns serviços tidos como de utilidade pública, favorecendo assim os contribuintes, numa espécie de devolução daquilo que o governo lhes tirava até cem certa parcimonia. Hoje, entretanto, tudo é diferente. Os subsídios estão eliminados, enquanto técnicos em arrecadação inventam novos impostos "apelidando-os" de taxa-e outros bichos, aumentando-os dia a dia.

A "fúria" arrecadadora é impressionante. Hoje pagamos até a iluminação das ruas e os serviços essenciais que desde o império eram de fato para beneficiar o povo, com taxas reduzidas, como o Correios e Telégrafos, hoje em dia se transformou em objeto de renda com os sucessivos aumentos de suas taxas, acontecendo o mesmo com os transportes coletivos.

Uma instituição que beneficiava a população era o Serviço de Alimentação da Previdência. Social — SAPS, instituída no governo Vargas que os tecnocratas acabaram talvez por não dar lucros. Os maiores beneficiários da louvável instituição eram os trabalhadores.

Passei por quase todos os postos de Serviço que proporcionavam alimentação barata e sadia, desde sua sede central, na Praça da Bandeira, cujo restaurante atendia trabalhadores de São Cristóvão à Praça Onze. Na Rua México .no sub-solo da sede do ex-Instituto dos Comerciários e na Rua Gomes Freire, estavam os postos dos comerciários e dos agentes policiais, que serviam a todo o centro da cidade, que contava ainda com o SAPS do Calabouço, onde o estudante Edson foi morto por um policial, originando um veemente protesto de seus companheiros.

Na região portuária existia o SAPS do "Pequeno Jornaleiro", nas imediações da Praça da Harmonia, ponto preferido pelos estivadores.

Todos os postos apresentavam equipes de alto nível, evitando as reclamações tão naturais em prestações de serviços.

O SAPS também atendia empresas com determinado número de funcionários ou trabalhadores, como no caso dos "Diários Associados" que, na sua sede antiga, à Rua Sacadura Cabral número 95, no 9º andar. Lá estava um posto para os funcionários, extensivo aos amigos da casa. Nesta condição estava o cronista velho conterrâneo do arquivista irmão Symaco da Costa, supervisor do serviço.

E' muito natural em tais reunião. captar dados sobre participantes. De ordinário, depois de alguns encontros,. todo mundo sabe da vida de todo mundo, com raras excessões, que ficam por conta dos taciturnos.

Foi assim que nos "Associados" conheci uma pessoa que nos idos de 1915, foi manchete em todos os jornais do País e em parte de imprensa mundial.

Numa mesa do SAPS, todos os dias, estava um senhor de idade avançada, magricela e branco. Sempre arredio, como desinteressado com o que se passava, no vasto salão, inclusive com seus companheiros, como ele vestido de macacão azulado com as iniciais do Departamento Nacional do Café. Meu companheiro que havia me dado "serviço" sobre um freguês acostumado a '"fechar a raia" para ser servido cm dobro dizendo-se tratar de uma alta patente do exercito, me.informei que o velho de macacão era Manso de Paiva Coimbra que em setembro de 1915, assassinou na escadaria do Hotel dos Estrangeiros, José Gomes Pinheiro Machado, a "eminência parda" do governo Wenceslau Braz e homem temido por todos políticos do País. Efetivamente, ainda jovem iniciando a minha vida de tipógrafo, me lembro como os círculos intelectuais de Belmonte receberam a notícia da morte de Pinheiro Machado.

Procurei me aproximar do grande personagem, o pedreiro gaúcho Manso de Paiva, chegando até a uma relativa amizade, mais quando abordei o assunto ocorrido cm 1915, apenas consegui" duas palavras, como resposta:

— Esqueça disto. Mais continuei o contacto com Manso de Paiva, terminado com o fechamento do SAPS dos "Associados", quando também recebi o último pacote do café tipo exportação.

Por algum tempo tentei encontrar o velho padeiro que, segundo os jornais da época, tornou-se assassino para salvar o Brasil.

• Rubens E. Silva, Jornal da Manhã, Ilhéus/BA 03 Out 1979

O CUNHADO CAÇADOR DE PAPAGAIO

RIO - Especial para Tabu - Dizer que uma das colunas que mais aprecio em Tabu é "Antigamente"', não é novidade, já que algumas vezes ela vem servindo assunto para as minhas crônicas, na maioria versadas em fatos do passado. Como hoje no "Jornal da Manha”, há tempos mantinha no “Diário da Tarde, ambos de Ilhéus, escritos sobre assuntos verificados no passado”.

O "intróito” é para justificar esta crônica cujo tema foi inspirado numa das colunas de "Gavião do Norte", quando o companheiro se refere a um velho companheiro e parente por afinidade, o ferreiro José Ferreira Gomes que segundo notícias recebidas de Salvador está se “arrastando com problemas coronários, lá pelos lados de Pituba assistido por seu filho Liomar, um militar que, nas horas vagas, exerce a profissão de dentista-protético”.

José da Velha, o ferreiro da Rua do Brejo, um autêntico bonachão, levava um bom tempo para cobrir o percurso de pouco mais de 300 metros entre sua residência, na General Pederneiras a oficina na Rua do Brejo. Ele além de Caçador de Papagaios - conforme relata Gavião do Norte, era emérito cevador de guaiamuns, para o regalo dos seus amigos, àquela paciência e fala arrastada e anasalada só transformava quando se dirigia, ao "viveiro” para "fisgar" os gordos e “bitelos" crustáceos, que a saudosa Maria preparava alegremente, marca registrada de quem está sempre satisfeita com a vida

O personagem de Gavião do Norte gostava dedilhar um velho violão na esperança, jamais alcançada de se tornar exímio violonista Mas dava nas horas enluaradas, "para quebrar o galão" na base do "besta é tu"| repetido no mesmo tom.

O "Caçador de papagaios" tinha, entre seus parentes, uma irmã, de nome Dorinha, casada com Zuza, bastante conhecido nas rodas boêmias da cidade possuidor que era de um "Pau Fincado", na Birindiba, refúgio dos notívagos. Dorinha mantinha em funcionamento o "boteco" quase que durante as 24 horas do dia, principalmente quando das festas de fim de ano, que se prolongavam até o carnaval. Paciência estava localizada nas veias da dupla que tolerava as reiteradas "penúltimas" da freguesia formada por aqueles que começam sempre exigindo mercadorias de primeira mas do meio para o fim é na base do que o "que vem na rede é peixe". Muitas vezes o Zuza "ajudava" os fregueses na "lubrificação" das gargantas o que era um verdadeiro "páreo duro"

Certa vez Zuza me aprece em Ilhéus com sua Dorinha e a devida apresentação do José da Velha. Ficaram hospeda dos minha residência e o motivo da viagem, o estado de saúde da companheira que foi imediatamente internada na Santa Isabel, recentemente inaugurada.

Foram uns quinze dias de preocupação para todos nas. Zuza não "tirava o pé" da Casa de Saúde e nem deixava de “assinar o ponto na vendinha do Pacífico, onde primeiro tentava afogar as suas magoas e lamentar chorosamente a situação de Dorinha, e depois por hábito”.

Já sabíamos da situação da doente através da fisionomia do companheiro, apesar da dificuldade para qualquer pessoa para decifrar a "charada". Isto porque o homem chorava em todas as fases de tratamento da mesma forma que se "lubrificava” na ida e na volta das visitas a doente.

A "odisséia" levou fim 15 dias e a visita ao “botequim só se encerrou quando o apito do “Canavieiras” deu o ultimo sinal me obrigando a “arrastar” Zuza, do Sul-Americano que em prantos bebemorava o restabelecimento da sua Dorinha”.

Na primeira oportunidade que me apresentou, relatei a "odisséia" do Zuza, ao seu cunhado o "Caçador de Papagaios". Depois toda a vez que encontrava Zé da Velha, ele perguntava! Será que o Zuza parou de chorar?

Rubens Esteves da Silva 30 03 1981

Minha Geração Está Desaparecendo

RI0 - Naquela noite de Outubro, quase toda a colônia Belmontense aqui sediada, estava reunida na Igreja de Nossa Senhora Aparecida em Caxambi no Distrito Administrativo do Méier, para festejar, assistindo ao ato religioso de Ação de Graças, pelo septuagésimo aniversário do seu conterrâneo" Otávio Barros, filho do conceituado mestre marceneiro Teófilo Barros dos Santos. A solenidade teve seu ponto alto quando, na elevação do Santíssimo foi cantada uma tradicional ladainha Maria Concebida Sem Pecados - revivendo as comemorações em" louvor a- Virgem do Carmo, nossa, padroeira Foi um momento de profunda emoção para os contemporâneos ali reunidos, já que o cântico' trouxe gratas recordações da juventude -despreocupada.

Após o ato Otávio reuniu os convidados em sua residência para inesquecível recepção, decorrida num ambiente descontraído onde cada um revivia fatos da sua mocidade vivida nas areias da Preguiça ou Ponta de Areia, passeios para colheita de cajus e murtinho, no Lazareto. Os banhos de mar e da Barrinha, hoje desaparecida, forem lembrados saudosamente.

-Agora,, decorrido mais de um ano daquela maravilhosa noite, voltamos a Ig.reja" de Caxambi para rogar paz- a alma de Otávio Barros, assinalando o aniversário do seu passamento, deixando viúva e filhos além de sua irmã Antonieta Barros, auxiliar ".de .escritório aposentada, ainda inconsolável já' que dos" quatro irmãos - Paulo, Florêncio,. Alice e Otávio, ela é a: sobrevivente.

O morto era componente de .uma geração, da qual sou integrante, nascida nas primeiras décadas deste século que, pouco a .pouco vai desaparecendo e que tem a seu favor ter assistido - o homem atingir a lua além das profecias de Júlio Verne transformarem em realidade, coisa que nossos avós julgaram inconcebíveis. Em compensação.esses rudes parentes nos souberam dar uma .educação rígida, "baseada no "respeito ao próximo, coisa que está praticamente eliminada, nos tempos atuais, causa principal da degradação aos 'costumes estamos -assistindo -

•Q falecimento de Otávio me fez lembrar, dos- inúmeros contemporâneos que já se foram "deste vale de lágrimas. ' Ba contagem regressiva anotei alguns companheiros tais como Heriberto Simões,'José- e Aníbal Fernandes, Devanedi e Benon Marques,Vivaldo Pinho Gentil Melo,- Benedito Tavares, Cosme Minervino, Diô e Nassau Mega, -Abenilson Favila, Firmo e Virgílio Pagão, Artur .e Nouca .França, Alberto Storino, .Adalberto e Jeová Paiva, Pedro Bembeu Mandinho Resende,- 'Caborginho Ramos, João Carmínio, Ademário Ramos, Jorge Monteiro e os esportistas Leones Soares, Raulino Santos, Filó, Nandinho, Nadinho,. Cid, Dilinho,. Rafael, Duca, Filhinho, Tavinho, Beré, Batista,,:Zé ;Hugo, Dejá; Mururé, dentre outros.

Para compensar fiz um levantamento dos companheiros que ainda .estão vivos, assinalando Nélson Matos, Dermeval (Bel) Oliveira, Aires Fernandes, Pedrinho e Guerino Magnavita Gervásio, Orlandinho Paternostro, Floriano Bernardino, Jerônimo Oliveira, Orlando Magnavita, Dazinho Rezende, Alberto Matos", Manoel de . Senhorinha, Décio Marquês, Vilobaldo Amorim, o Prefeito Luiz Carlos (sempre firmes na "terrinha") e nós outros considerados "desgarrados" José Lemos,' Othon Ferreira 'Waldeck Oliveira Osvaldo Peixoto , Osvaldo Cabral, o juíz Epaminondas Pontes, Aurelino Navarro., Elvidio Storino, Josadak Oliveiras,Dario dos Santos, José Andrade .Aloísio Ludgero, Satiro Segundo, Ito e Hugo Ataíde bem como os "honorários", Symaco da Costa, Julio Brito e Edson Moura.

Os belmontenses que transferiram suas moradas para outras paragens jamais esquecem do seu "torrão natal", e a prova é que sempre eles constantemente voltam as suas origens para uma olhada e pedir graças a Nossa Senhora do Carmo, na sua grande data, quando em frente à Matriz se reúnem para um encontro saudoso com os companheiros.

Entretanto creio que muito breve este encontro vai mudar local uma vez que a Igreja está prestes a desaparecer devido às investidas do Jequitionha que os poderes públicos estadual e federal teimam em não tomar conhecimento, deixando de enviar verbas necessárias para conter o caudaloso rio que em breve • não só levará a Igreja, mas toda a cidade, mais da metade já devorada pelas enchentes.


Rubens E. Silva 22/04/1980

JECONIAS E O ALMOÇO DE ANTÔNIO MAGNO

RIO – Vez por outra me vejo obrigado a entrar na seara do Gavião do Norte, o apreciado memorialista de Tabu, que espero conhecer pessoalmente, numa das minhas visitas periódicas a Belmonte, em romaria a Nossa Senhora do Carmo, quando darei um abraço no diretor do quinzenário G. Perrucho, outro meu conhecido apenas de nome.

Lá pelos anos 20 visitei algumas vezes Canavieiras e, depois em várias oportunidades, "passei de passagem" na velha terra das dunas, hoje, segundo sei quase desaparecidas como que acompanhando as demolições de importantes e tradicionais prédios, motivo dos mais variados protestos registrados na tradicional folha da Quintino Bocaiúva.

No esporte conheci dois ótimos goleiros – Bidinho e Piloto – bem -como os esportistas Canelinha, Almiro, Fardamento, dentre outros que fizeram vibrar torcedores que, nos grandes jogos, lotavam o campo estrategicamente situado entre os mangues. Fora do esporte conheci Araújo dono de hotel, parceiro de Antônio Magno que possuía um cabaré na zona do meretrício tradicional personagem das rodas boêmias da cidade e participante de todos os eventos populares locais, principalmente, quando estes no seu programa constassem jogos de quaisquer modalidades. Outro conhecido desta época foi o trombonista Cursino que, nas horas vagas, defendia a profissão de alfaiate. O Cursino era destes que gostam de ser “movidos a álcool".

Da época tenho alguns casos dignos do Gavião do Norte ou, trocando em miúdos, devem constar da "agenda" do cronista de "Antigamente" mas, por força do hábito, sou obrigado assumir a paternidade. Hoje, por exemplo vou "mandar um.

Antônio Magno, além da apresentação acima, e, talvez por isto mesmo, gostava de reunir amigos para almoços preparados pela sua mãe, dona Maria, uma exímia cozinheira, admirada pelos canavieirenses. .

Um belo dia convidou uma turma para saborear um "molho pardo" preparado pela genitora. A turma era composta de umas dez pessoas dentre elas o escrevente Jeconias Bombinho, na época ainda considerado pelos conterrâneos. Sim. Ainda considerado porque, tempos depois, em virtude de ter agredido o padre Júlio, sucessor do padre Benvindo, sofreu tremendo "boicote" dos canavieirenses que o obrigaram a uma "retirada estratégica" para Ilhéus'.

Almoço marcado para meio-dia, apesar da comida pronta, não foi iniciado no horário certo, porque, ;os "circunstantes" resolveram “abrir o a petite" e este teimava em não chegar "ao ponto". A velha mãe do "patrocinador", na. primeira advertência do "tudo pronto" só contou com a presença de Bombinho que se "aboletou" na mesa para "passar o tempo" começou a beliscar a penosa, enquanto os outros comensais continuavam na luta" na tentativa de encontrar o apetite através de "batidas" e outros ingredientes.

Afinal, depois de convenientemente preparados para o almoço com o estômago dando sinais alarmantes os convidados de Antônio Magno se dirigiram à mesa e lá encontram Bombinho espalitando os dentes e a terrina onde estava o molho pardo, completamente vazia, da mesma forma que estavam vazias as tigelas do feijão e do arroz.

As manifestações iradas dos famintos convidados foram dirigidas a genitora ao glutão, enquanto dona Maria voltava à cozinha para um almoço ligeiro, na base de ovos estrelados, avidamente devorados pelos amigos de Antônio Magno.

Rubens E. Silva

Estranha Morte da Modelo de N.S. da Penha.

RIO — Foi em Agosto de 1925 que visitei, pela primeira vez, a histórica e centenária Porto Seguro, hoje transformada numa das maiores cidades turísticas do Brasil visitadíssima graças ao governo Federal que facilitou o acesso através de ótima estrada ligando a BR-101. Era, na época, um dos componentes da tradicional Lyra Popular, que, na ocasião, pela primeira vez ia abrilhantar as festividades em louvor a Nossa Senhora d’Ajuda, assistidas por milhares de romeiros dos mais variados recantos do Brasil.

A viagem foi no "russo canela" e as bem espichadas 18 "léguas de beiço” foram vencidas em dois alegres dias com uma interrupção, para dormida, em Santa Cruz, de onde parte da delegação resolveu fazer a última etapa enfrentando o mar em toscos batelões, contratados para transportar o instrumental da "banda belmontense". Viagem inesquecível pela alegria, pelos imprevistos e sobretudo, pelas brincadeiras tão naturais entre jovens que aproveitavam os descuidos dos veneráveis diretores para lhes aplicarem verdadeiras ciladas, numa espécie de "revanche" às repreensões e implacáveis marcações durante .os longos ensaios preparativos para as grandes tocatas. Antônio Alexandrino Siqueira, o Antônio de Astério, que chefiava a turma era o alvo de nós músicos. Como sofreu o velho dirigente naquela excursão.

Não me sai da lembrança a última etapa da viagem quando, depois de ligeira parada em frente ao Cruzeiro onde foi. celebrada a primeira missa, localizado entre Santa Cruz e Porto Seguro, avistamos a colina do Arraial d’Ajuda onde está plantada a igreja da tradicional santa. Todos vibraram pensando estar prestes a chegada a Porto Seguro. Estávamos no extremo de uma bonita enseada. Mas a proporção que íamos avançando em direção a centenária cidade ela ia se afastando como por encanto. O mais importante foi a renovação do ânimo que nos dava àquela silhueta. Finalmente depois de cerca de oito horas, chegamos a Porto Seguro onde fomos recepcionados por grande número de pessoas, entre os quais os companheiros dos batelões alguns dos quais arrependidos, desacostumados com a agitação do mar.

Foram quatro "dias de festas e homenagens a nossa filarmônica, culminante com um baile oferecido pelo juiz de direito. A festa animadíssima lá na Colina, distante da cidade alguns quilômetros, depois da travessia do Rio Buranhem. O pequeno arraial como que se elastece para comportar tanta gente durante os festejos religiosos, muitos dos quais, por falta de acomodação, ficaram sem dormir. A igreja ficava, durante a noite a disposição dos romeiros, já que as casas de pouso não davam conta do recado.

Me lembro quando, já em Porto Seguro, escalei o Alto de Nossa Senhora da Pena, onde abandonado, estava o marco do Descobrimento1 do Brasil, servindo até do mictório público.. A igreja permanecia fechada, já que a festa da dona da casa seria em setembro, por sina! uma festa e tanta, inclusive motivo de competição entre duas ruas da Porto Seguro. Na época procurei me aproximar de um velho morador e devoto de N S da Pena. Ele, no ano anterior havia localizado uma "peça" — canhão antiquado — de bronze encrustada no sopé do morro, o que deu mais ânimo e vitória da rua já por duas vezes vencida pela sua concorrente.

Achei por bem "puxar" pelo velho para saber algo mais de sua terra. Na conversa veio à tona a imagem da santa que não pude ver devido a igreja estar fechada. Me contou que há muitos anos passados, a imagem teria que ser "encarnada" — espécie de restauração — e a venerável irmandade resolveu escolher a moça mais bonita da cidade, para servir de modelo. Houve muita discussão com prós e contra, mas prevaleceu a vontade da maioria dos "irmãos'' e se processou a escolha daquela que seria a imagem de Nossa Senhora da Pena.

Era, de fato, uma belíssima moça, a escolhida que foi mandada para Bahia (Salvador) o um mês depois voltou acompanhando a santa. Porto Seguro em peso foi receber a nova imagem chegada às vésperas do dia da padroeira — 15 de Setembro.

.Depois daquela manifestação religiosa, uma notícia abalou a histórica Porto Seguro:

— Inexplicavelmente, a "modelo" que gozava de ótima saúde, havia morrido de repente.

Rubens E. Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 14/01/1981

Deu em Vida Dinheiro Enterrado.

RIO — No início do ano passado, em "A Fortuna Enterrada de Adão, relatei um fato ocorrido em Belmonte, nos idos dos anos 20 quando, acreditando na imaginação sempre fértil de quase a totalidade dos moradores da cidade, pequeno grupo do qual fiz parte, em noite escura, escavou as imediações de frondoso e velho cajueiro, disposta a retirar um "baú cheio de moedas antigas de prata e ouo — verdadeira fortuna — de um avaro dono de açougue e possuidor de amplo sítio campos de árvores frutíferas, vendidas a bom preço, protegidas por ferozes cachorros."

Os lucros provenientes do açougue e vendas dos cajus, mangas, abacaxis e outras frutas, não eram, de fato, os principais motivos que levava a população a acreditar que Adão — este o nome do personagem — possuía dinheiro enterrado, o que "pesava" mesmo era a parcimônia com os gastos para a sua manutenção e mesmo apresentação.

Porém a realidade — a triste realidade — pelo menos para os "exumadores" foi bem outra. O laborioso trabalho, iniciado a meia noite, cujo resultado positivo foi a derrubada, pela raiz de quase centenária árvore, uma vez que nada foi achado, frustrando os pianos dos "futuros novos ricos". O pior e que toda a cidade acreditou ter sido o "tesoiro" desenterrado e, por incrível que pareça — para a vergonha dos escavadores — surgiu até o nome de um dos felizardos.

Volto hoje aos 'tesouros enterrados". Como da vez passada o fato ocorreu na minha Belmonte no início dos anos 20. Na época bastante comentado e hoje confirmado por alguns veteranos da cidade.

Carlos Monteiro havia voltado de uma viagem que realizou à outrora Capital Federal, tomando a direção da Typografia-Democrática que estava gerida peio seu irmão professor Afonso Marques Monteiro. A gráfica editava o semanário "O Lábaro”, posteriormente substituído pelo primeiro jornal diário da cidade o "Pequeno Diário". Carlos Monteiro criou, na sua folha, uma coluna para arrecadar donativos em favor das pessoas hoje chamadas de carentes, nos moldes adotados pelos jornais cariocas. O dinheiro arrecadado dos "abonados" durante a semana, era distribuído, nos sábados.

Residindo na Ponta de Areia era eu encarregado da distribuição dos donativos a uns três pobres que residiam na área compreendida entre a Praça S. João e a Rua do Cruzeiro, nos confins da Tenente Portela, a mais extensa artéria de Belmonte. Os "meus" mendigos agradeciam prazerosamente a "ajuda'', e "desmanchando e rapapés", louvando mais a minha pessoa do que a dos contribuintes. Um deles entretanto, não era de muita conversa. Tratava-se do velho Sapucaia, um preto magricela. Morava perto da Caixa D'água, numa palhoça. Aos sábados ficava me esperando na "venda" do Zequinha, um jovem sempre sorridente possuidor de boa freguesia., Me lembro que a etapa que cabia a cada um dos beneficiários" era de dois mil reis, um bom dinheiro na época, muito antes ca "invenção" do Salário-Mínimo. Para se ter a idéia do valor da importância, basta lembrar que, naquele tempo, recebia quinhentos réis por dia. Isto depois de ter "'penado" um de aprendizado. — Santo aprendizado.

Certo dia. a rotineira vida da Ponta de Areia, amanheceu em polvorosa! em face da notícia de que a casa dd meu 'mendigo" havia sido "invadida na caiada da noite e de lá "desencavada" uma lata cheia de dinheiro. Corri no Zequinha que já sabia o nome da. "invasora" mais não quiz "se abrir" pois se tratava de uma boa freguesa e gente bastante conhecida na Ponta de Areia.

Confiado no meu "prestígio' fui s, Sapucaia pra saber o que de fato acon' tecera. E soro meias palavras o pre­to velho foi dizendo:

,— Ainda encontrei D. Santinha saindo daqui de casa levando a lata cheia do meu dinheiro, Não estou zangado, pois ela sempre me ajudou e merecia levar os meus "vinténs" que fazia tenção de entregar quando morresse. Todas as noites, ao deitar, contava o dinheiro com o pensamento nela. Estava bem aqui neste cantinho., Tem outra lata em outro lugar.

Estou sentido é que dona Santinha não soube esperar que eu morresse. Se tivesse paciência seria melhor para ela.

Depois fiquei sabendo que dona Santinha, nossa conhecida, noites antes, havia sonhado com Sapucaia lhe entregando a sua -'fortuna", inclusive mostrando o local exato onde estava a “bolada” que ninguém nunca soubera quando montou o “encontrado”


Rubens E. Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 05/01/1981

Da muqueca do Pontal ao sarapatel de Realengo

RIO — Era mínimo o contato que tinha no Pontal, com o colega cronista Geraldo Ferrer, justificado com as esparsas visitas ao "Território Livre", já que meu campo de ação era mesmo na Capital do Cacau. Do outro lado só para visitar amigos, fazer reportagens, "enfrentar" peixadas, receber passageiros no aeroporto ou apenas para sentir a sensação das travessias em canoas ou lanchas, hoje relegadas a um segundo plano, graças a Ponte Lomanto Júnior que, se levou progresso ao aprazível bairro, plantou também um desassossego, principalmente em fins de semana.

Entretanto conheci o velho Ferrer, integrado na vida pontalense ao lado dos Pintos, dos Bastos, dos Mellos, dos Cajatis, dos Galos, dos Menezes e tantos outros personagens, quase todos saboreando as irreverentes atitudes do filosofo Helvécio Marques, para quem não havia "Tempo Ruim", que por pior e dramática fosse a situação, o popular causídico encontrava urna saída.

Na época como não podia deixar de ser, o jovem praiano nos seus momentos de folga, se deliciava com as aprazíveis e tentadoras praias que começavam nas imediações do Morro de Pernambuco e. como Paquetá, não tinham onde acabar.

Hoje toda a costa está tomada por "inferninhos", escondidos entre os coqueirais onde a juventude — em plena liberdade — se esbalda durante as 24 horas do dia.

O meu conhecimento com Geraldo era através de suas crônicas no JORNAL DA MANHÃ, já que o encontro pessoal se tornava difícil pela falta do seu endereço, ficando eu a espera de um caso para concretizar a sua realização . Entretanto não precisei "jogar "com a sorte" para o esperado contato. É que o Geraldo, dando urna de Sherlok Holmes descobriu meu endereço — que não é difícil chegando em Realengo — e inopinadamente apareceu na sede da Associação dos Inativos e, sem mais de longas, se apresentou. Foi rápido àquele encontro, pois, alegando compromissos outros, o companheiro do JORNAL DA MANHÃ não aceitou o convite para um almoço, se comprometendo aparecer em "' outra oportunidade quando almoçaria na Falcão da Frota Desta forma estava eu lhe devendo um almoço.

Entretanto a promessa estava ficando em "Banho Maria" e com ela a desconfiança do cumprimento. Mas, como tudo tem seu dia, num domingo destes Geraldo apareceu com a esposa Terezinha e por feliz coincidência quase a mesma hora em que, também acompanhado com sua patroa Izabel chegava Symaco da Costa, o jornalista, mestre em trovas conhecido por este Brasil afora, já que integrava na equipe dos "Associados".

Foi um encontro de recordações que espero um "repeteco" muito em breve, pois o dia de céu claro, contrastando com a véspera fria e chuvosa, concorreu para o êxito da reunião que terminou a sombra do cacaueiro plantado em frente a minha residência, como que identificando a naturalidade do dono da casa.

Mas o detalhe da visita foram os preparativos culinários, urna verdadeira parada. Quase que precisou um conselho de guerra para chegarmos a conclusão sobre o cardápio. De saída pensamos numa feijoada que foi logo eliminada em face da alegação de que, aparecendo na mesa o difícil feijão, preto, poderia parecer ao visitante uma demonstração de grã-finagem, pesando para a decisão a dificuldade em se obter o precioso e disputadíssimo grão. Um cozido igualmente foi posto de lado já que o chuchu, quiabo, maxixe, giló, abóbora e couve estavam "pela hora da morte". Depois pensamos numa peixada. Aí o contra foi o receio do Geraldo pensar que queríamos imitar Cícero Pinto que, no ano passado ofereceu ao cronista uma suculenta moqueca de cação que só de ler a crônica sobre o evento, até hoje "estou com "água na boca".

Finalmente, Carminha decretou: “Vamos fazer um sarapatel". Feita a tradicional comida baiana não deu outra coisa: a satisfação incontida não só do Geraldo mas também do Symaco que demonstraram o "de acordo'' com a repetição dos pratos, devorados avidamente, o que nos deixou satisfeitos.

Repito: Foi um maravilhoso encontro de recordações assinalado com a oferta de um livro de Asclépio Ferrer "Um dia Sem Pecado". E quem podia pensar em pecado em tal ambiente...
Rubens E da Silva Jornal da Manhã. Ilhéus BA 29 11 1980

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

MEU NETO CLÁUDIO BARBOSA

Em menos de dois anos, mais precisamente, num espaço de um ano, oito meses e 13 dias, desapareceram os principais troncos da família Esteves da Silva, levando de quebra. o mais novo dos seus elementos.

Estou f alando de três irmãos, dentre, os quais a minha veterana mãe, Maria Esteves da Silva, com a avançada idade de 94 anos, conservando uma lucidez excepcional, o mesmo acontecendo com seus irmãos, meus tios Augusta e João Esteves, a primeira com 8l anos e o segundo com 86 anos, o que da uma média de 87 anos, felizmente bem vividos e gozando de consideração por parte de todos que os conheciam.

Mas o mais novo, da família, que desapareceu foi o meu neto Cláudio Barbosa da Silva, com 8 anos de idade.

Ao nascer ficou logo constatado de que o garoto era possuidor de um mal congênito, tendo os médicos diagnosticado para o mesmo uns sete anos de vida ficando inclusive admirados da criança ter nascido com.a visão perfeita

Atrofiado, mas de mente normal, o Claudinho foi vivendo até que depois de uns cinco anos foi perdendo a visão e ficou completamente cego, com isto o medo de andar, o que vinha fazendo com dificuldade.

Sempre deitado, mas conservando a mente perfeita, para a alegria da casa. Conhecia todos nós pelo andar. Falava o dia todo e sabia o nome de vários cantores, pela suas musicas irradiadas, assim como a maioria dos locutores da Nacional e da Tupi.

Todos nós aguardávamos a sua “passagem”, o que, surpreendentemente, não aconteceu aos sete anos. Gostava de chaveiros e nunca se enganou na devolução dos mesmos aos seus donos, fossem eles parentes ou visitantes.

A nossa tia Augusta, há mais de três anos, vinha sendo atacada. de insidiosa doença, agravada com uma operação feita, na "bacia, motivada por uma queda” O sofrimento da tia, era intenso, mas a sua vontade férrea de viver, nos parecia a vir a mantendo viva, conseguindo vencer,as constantes crises a tal ponto que já chegamos a conclusão de que ainda demoraria a chegada do dia fatal

Certo dia, pela manha Cláudio ao acordar, afirma que a mãe da vó tita viria buscá-la.

Não precisa dizer da apreensão que nos apossou. Finalmente o garotinho que já completara 6 anos, nunca havia se referido a minha avó Maria Amélia Tabirá, falecida há cerca de 50 anos, em Belmonte. Mas a apreensão foi momentânea e a previsão do mais novo elemento da nossa família foi completamente esquecida.

Naquele dia às 18 horas, minha tia Augusta falecia nos fazendo lembrar da previsão do Cláudio, para a qual não encontramos explicação porém para os para psicologistas não há nada de sobrenatural na ocorrência, pois eles através de estudos profundos, explicam o fenômeno.

Também o Cláudio previu o falecimento do meu tio João ocorrido precisamente seis meses antes da sua morte, a 12 de agosto de 1976, quando completava 8 anos e 4 meses de existência.

Rubens E. Silva

COLUMBINO E Á RABECA DE ZÉ DOS REIS

Rio (Para TABU) — Jovem, estava naquela em relação a Canavieiras: Não vi e não gostei. Aliás este era o lema dos belmontenses em lelação à cidade vizinha, verdadeira inimiga. E não era para menos. Todos os nossos que tinham necessidade de passar por lá, e mesmo os excursionistas esportivos, na volta diziam "cobras e lagartos" em relação ao mal tratamento recebido. Tenho a impressão de que o mesmo acontecia de lá pra cá. Nós jovens que não participamos de tais "viagens" acreditávamos piamente nos conterrâneos, verdadeiras vítimas de massacres que não deixaram marcas. E precisava prova concreta? Nada disto, o "inimigo" deveria pagar as "agressões" contra nossos irmãos. A desforra seria na primeira visita e para ela estávamos preparados.

Era este o clima, nos primeiros decênios deste século, entre canavieirenses e belmontenses que, afinal apresentava um lado positivo, pois todos se aprimoravam para superar o "inimigo" em todas as atividades.

Por muito tempo acreditei na veracidade dos fatos, o que fazia com que odiasse meus vizinhos. Mas um dia... Sempre tem um dia. Apareceu em Belmonte um crioulo das pernas tortas para defender a Associação Atlética do professor Lúcio Coelho e, como gráfico, foi trabalhar na Tipografia dos Monteiro, de onde eu era "cria". Chamava-se Canelinha. Uma extraordinária figura humana. Tornamo-nos amigos, da mesma forma que tirou da minha mente a "má-vontade" com seus conterrâneos. Tentou por muitas vezes me levar a Canavieiras, o que não foi possível. Canelinha era incapaz de ofender alguém. Depois voltou à sua terra banhada pelo Rio Pardo. Foi um desfalque para a tipografia que para seu lugar "importou" Eduardo Colombino. Bom sujeito mas impulsivo e uma pouca "metido" Foi com ele que realizei a minha primeira visita a Canavieiras, ficando hospedado em sua casa. Uma visita de um pouco mais de 30 horas que deu para conhecer as bonitas — hoje extintas — dunas, Atalaia, igreja de São Boaventura, a "zona, onde Antônio Magro jogava gamão, e a Capelinha. Essa lembrança de mais de 50 anos é marcada pelo encalhe da canoa, no meio da viagem de volta, quando servimos de pasto para barulhentos mosquitos.

Columbina gostava da farra. Foi meu companheiro inseparável nas festinhas de aniversários, juninas, antoninas, casamentos, quando de vez enquando dava seus gorgeios, cantando músicas da época, na sua maioria aprovadas pelos dançarinos.

Certa noite de Santo Antônio, depois de passar por Cabo Verde, Cirilo, as Anãs e outras casas que festejavam o santo casamenteiro, fomos parar na casa de Antônio Magarefe, lá pelos lados da Preguiça, onde a animação era total. Genipapo e canjica de milho verde corriam soltos, numa eopécie de preparativo para um suculento caruru e uma muqueca de robalo.

Lá para tantas Columbino resolveu exibir seus dotes canoros. Pediu para que o apresentasse ao "regional" formado por violão, cavaquinho, pandeiro, duas colheres, comandado por um respeitável e conceituado carpinteiro de nome José dos Reis, tocador de violino. O homem não se fez de rogado e logo atendeu ao pedido de acompanhamento do cantor canavieirense, que da sua parte começou a cantarolar, como que dando o tom para a orquestra. José dos Reis, de paletó e gravata, como mandava o figurino da época, se pôs em pé e começou a "esgravatar" as cordas do seu precioso instrumento. Os companheiros também entraram nos preparativos mas, por incrível que pareça ou parecia, não "entravam num acordo" quanto a afinação. O "debate" continua por muito tempo, sem solução. O cantor já mostrava o seu inconformismo com a demora, sem que o maestro tomasse conhecimento.

Não "guentando" mais Columbina, já al­tamente lubrificado com os ''ingredientes" genipapinos, vira-se para José dos Reis e exclama: — Oh velho. Afina logo esta rabeca...

O violinista reagiu dizendo:-Me respeite. Isto aqui não é rabeca e sim um violino.

Com a reação do chefe todo o conjunto avançou em Columbina que, "escapou" pela cozinha, indo parar no Matadouro, construído entre os mangues, onde fui encontrá-lo para prestar a necessária solidariedade.



Rubens Esteves da Silva Tabu Canavieiras-BA 1ª Quinzena 01/1981

Antônio Benvindo Teixeira

Ele foi um dss primeiros grálicos do DIÁRIO DA TARDE vindo, em janeiro de 1928 de Salvador, acompanhado de Alberico, Rocha e Aristotelino, assistindo só da montagem da impressora, como participando da organização da oficina, dentro de um ambiente de euforia e esperança, sob a direçao do inesquecível Carlos Monteiro que, com Francisco Dórea, Eusinio Lavigne e Alcino Dórea, organizaram a empresaj que completa 45 anos de atividade.

Educado por padre Teixeira era homem inteligente, gimples e de bom humor, De caixista passou para auxiliar de gerente e posteriormente componente da redação do jornal, onde morreu, depois de aposentado, como revisor.

Era um homem sempre pronto para atender as solicitações da direçã da casa e, por isto mesmo, captador de amizades.

A noticia de sua morte, recebida quando estava em Salvador, mesmo, não me surpreendendo, me chocou bastante, pois fomos sempre bons companheiros e amigos através da longa convivência não só na empresa, mas mesmo quando me afastei e vim residir na Guanabara} pois sempre estávamos em contato.

Há vários casos pitorescos passados na movimentada vida de Teixeira que com Aristotelino — Lelinho — Roque — Edmundo - Jacinto de Gouveia e Souza Pinto — Perclino, todos falecidos, formaram com Otávio Moura — Mário Sales — Junot, a turma de frente, na primeira década de existência da DIÁRIO DA TARDE, órgão líder da zona cacaueira.

De certa vez, num daqueles passeios esportivos que sempre realizamos no ïnterior, o nosso .Teixeira, que era bom orador, comemorando um aniversário de influente político de Banco do Pedro, pronunciou nada menos do que 16 discursos inclusive saudando o homenageado e logo após, agradecendo a homenagem. Caso, ao que sabemos, inédito nas comemorações politico-sociais.

Nunca deixou de cumprir, a contento a sua missão de gerente e nos mais agudos momentos de .crise, sempre conseguia arrecadar "algum' para minorar as aperturas da "caixa", no tempo das "vacas magras", pois difícilmente os assinantes e anunciantes, escapam daquela conversa fácil e cativante e sempre atualizada;para opinar sobre os mais variados assuntos.

Teixeira se destacava entre Aristotelino, um ótimo coração, trabalhador cujo. defeito era de nunca ou a quase nunca sorrir. De um Rocha, que se preocupava, tão somente em economizar. De Albericocala. dão como nunca. Perolino, cuja mania era colecionar Cadernetas Populares . De Edmundo, que gostava de dinheiro, não perdoando erros em contabilidade, capaz de, corno aconteceu certa vez, reclamar uns centavcs, mesmo depois de ter recebido uma inesperada gratificação. De Lelinho, aquele amigo incondicioal, que morreu em plena atividade; pcdemos dizer. De Mário Sales, sempre mansinho, e silencioso. De Reque atiïidade em pessoa. De Junot, eficiente auxiliar do gerente, mas com uma pose de diretor, de Jacinto de Gouveia, que como pianista era um bom colunista. Pe Souza Pinto, que dirigia bem a gerência da casa.

Hoje, da "turma que participou da primeira década no DIÁRIO DA TARDE, ao que me parece, só resta Otávio Moura, um dos primeiros participantes, da empresa, que na flor dos seus 17 anos, se constitui em 1928 a grande novidade, demonstrando, na redação, uma capacidade precoce, o que lhe valeu galgar a direção do jornal, substituindo o jornalista Carlos Monteiro que em 1938 se transferiu para Salvador, onde instalou uma livraria

Trabalhei durante quase 15 anos no DIÁRIO DA TARDE e convivi com esta turma e este meu trabalho tem por finalidade prestar uma homenagem aos antigos companheiros, no momento em que o nosso jornal, instituindo um “record", para empresas jornalísticas do interior, completa 45 anos de existência ininterrupta prestando relavantes serviços a zona cacaueira, graças a benéfica visão do sr. Francisco Dórea, que desde o dezembro de 1927 participa intensivamente da tradicional empresa jornalística de Ilhéus.

Guanabara, 1° de fevereiro de 1973.

Rubens E. da Silva

Obs.: Sem data e jornal em que foi publicado

A Praça José Joaquim Seabra

RIO — Urna das artérias mais bonitas de Ilhéus é, sem dúvida, a Praça José Joaquim Seabra, com todo o respeito a Avenida Soares Lopes. Em 1927 era o tradicional logradouro fartamente arborizado com bem tratados "ficus" posteriormente Substituídos por fiondosas árvores e palmeiras sem lhe tirar a beleza cujo ponto alto é. sem dúvida o Palácio da Prefeitura com seu; estilo arquitetônico igual a sede do governo federal, o chamado Palácio das Águias da rua do Catete, aqui no Rio.

O prédio teve sua construção iniciada no último ano do século passado, ou seja em 1.899, por iniciativa do então Intendente dr. Ernesto de Sá sendo inaugurado anos depois na gestão Domingos Adami. Em seu lugar anteriormente existia o Colégio dos Jesuitas. Anos depois de inaugurado o prédio foi interditado já que ameaçava ruir. Dr. Eustáquio Bastos que chefiava o executivo, providenciou a transferência da Preíeitura para o Grupo Escolar situado na Praça Castro Alves. Feita a reforma conservando as linhas arquitetônicas, em 1921, foi reinaugurado o Palácio e nele voltou a funcionar a prefeitura, sendo instalado o serviço jurídico local, além da Delegacia de Polícia, a Cadeía Pública. Também ali existia um Serviço de Profilaxia Federal. Anos depois a Cadeia era Delegacia deram lugar as oficinas do Diário Oficial enquanto o Serviço de Profilaxia eO transferido para a Avenida Canavíeiras. Os seiviços jurídicos passaram para o Fórum, na Cidade Nova.

Na Praça foi construída, na segunda década deste século a sede da Associação Comercial, tendo a sua frente o desaparecido- Cinema Vitória do velho Cortes, que no início da função "virava" o preço do ingresso "catando" tudo quo aparecia em sua frente. Ao lado da Associação se instalou a Pensão Miled — se não me falha a memória — vinda da Praça tío Vesúvio. Em fronte da Prefeitura estava instalado o médico farmacêutico Enock Carteado sarcasiicamente glozado quando de sua viajem a America do Morte. Ali também creio ter sido a primeira sede da Sul-Bahiano, sob a gerência de Joaquim Teixeira, um despachante que sonhava a descoberta do moto-contínuo. Já na esquina com Almirante Barroso estava localizado, no andar superior o consultório do médico dos Pobres, dr. Lopes. Vicente Marselli exibindo seus pendores canoros dirigia sua alfaiataria, no. mesmo "corredor” da mais antiga família da.artéria, a dos Daneus que ainda tem vivo o mais velhos dos seus dependentes, o rubro-negro doente dr. Raul Daneu.

Atrás do prédio existia uma casa onde estavam instalados vários açougues e era a sede da Euterpe I3.de Maio. Dois personagens conhecidissimos moravam no porão do prédio. Ambos professavam ideias comunistas. O quitandeiro Edson e o sapateiro Leôncio, este então mais exaltado, sempre" disposto a fazer comícios exaltando o proletariado. Outro esquerdista que residia nas imediações era o pofessor Nelson Sshaun. Não devemos esquecer que como tomando conta da praça, morava perto o chefe político dos meios; agrícolas e sociais de Ilhéus, um dos fundadores no Clube Sócia! e insentivador da construção de sua sede na Cidade Nova, nas imediações do antigo Matadouro.

Não posso dobar de assinalar, na principal praça da Capital do Cacau a presença de um parsonagem que atraía a atenção de todos. Com o seu passo cadenciado, percorrendo todos os recantos da artéria, não dando guarida aos poucos inseios que tentavam destruir os jardins, estava um domesticado urubu. O seu nome era "Garcia" admirado pelos visitantes da cidade que o tansformavam em verdadeira atracão turística, como seria chamado hoje.

Não podeia terminar esta crônica sem registrar o zelo incomum de um preposto da municipalidade: cuja ação e modos de agir se transformou, na opinião popular, no rnais odiado elemento da cidade, e que por ocasião da vitória da Revolução de 3 f0oi "caçado" por uma legião de entusiásticas adeptos da nova ordem. Estou falando do fiscal da Prefeitura Rodolfo. Ele ficava nas imediações da Praça como que farejando a cata dos infratores", reprendendo-os agressivamente, confiado na sua autoridade já que fisicamente não "guentava" um sopro. Era tão respeitado quanto odiado mas mantinha a sua autoridade amparado pelos "Pessoas", seus chefes.

Hoje, por todo o Brasil, sentimos falta.- de muitos Roldofos para combater os destruídores de obras púbíicas.

RUBENS Ë. SILVA Jornal da Manhã. Ilhéus. BA 11/12/Jan/1981

A Matriz de Belmonte está com seus dias contados

RIO — Terminava de escrever "Minha Geração Está Desaparecendo" quando recebo uma carta de Belmonte, dando ciência de que a parede dos fundos da quase secular Igreja de Nossa Senhora do Carmo desabou e com ela o altar onde desde o fim do século passado reinava a Virgem de Carmelo que. por precaução, já havia sido retirada e transferida para a Capela de São Sebastião onde os atos religiosos em louvor a padroeira da cidade vinham sendo realizados.

Como faço todos os anos, estive em Belmonte em julho do ano passado, quando a Casa do Gerador, da iluminação da Igreja, havia sido destruída e, com ela, todo o maquinário, em virtude da última enchente do Jequitinhonha. A casa ficava contígua a parede desabada e as obras do cais que deveriam amparar não só o templo mas toda a cidade, bastante mutilada, seguiam em ritmos lentos e o material empregado na obra era motivo de severas críticas, por parte da população, inclusive por construtores, uma vez que as estacas de cimento armado- não vinham resistindo a pressão do bate-estaca.

Perde Belmonte, com o desabamento eminente da casa de orações talvez a última das construções vindas do século passado e que, na concepção dos católicos — que não são poucos — lídima guardiã da cidade, já que os avanços periódicos devido as enchentes do no, haviam parado a poucos metros da casa de Nossa Senhora do Carmo, que mantinha intocável pelo caudaloso Jequitinhonha, destruidor de mais de um terço da cidade, levando de roldão uma área de mais de três quilômetros, a partir do Freire até a Ilha das Vacas, destruindo o Cemitério velho, as "Aningas", o "Gravata", as barcaças secadoras de cacau do Maia e Olegário Matos, além das ruas dos Quartéis, da Ponte e metade da Marechal Deodoro do lado do Boquete, enquanto do outro lado, o Sítio de Albino era beneficiado com o crescimento de suas terras. A crença dos belmontenses era plenamente justificado pelo fato do rio ajudado pelo terreno arenoso ter produzido um vastão bolsão nos fundos da Igreja sem atingi-la, por maior que fosse o volume de água que recebesse o Jequitinhonha.

A igreja de Nossa Senhora do Carmo foi construída no outro período de 1895 e 1896, por iniciativa dos frades Capuchinhos Frei Paulino e Frei Caetano e sua planta elaborada pelo italiano radicado na cidade Etori Guerrieri, arquiteto, residente na Praça Dois de Julho (hoje Praça da Bandeira) por muito tempo Quartel General das Retretas da "15 de Setembro" — a Lyra Popular ficava na Praça 13 de Maio. Os executadores da obra foram os mestres Antônio Alexandrino Siqueira, Antônio Geraldo Cerqueira e José Rodolfo.

A primeira Igreja da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo foi construída em 1776, com tijolos, dada a escassez de pedras nas imediações da antiga Vila, o mesmo acontecendo com o templo que a substituía. Os alicerces da nova casa de orações não tinham a profundidade e acabamento dos atuais, mas a estrutura das paredes e as amarrações firmavam a construção evitando possíveis desníveis de um terreno arenoso. Nos fundos da igreja foi feito um Cemitério que foi desativado anos depois devido as reclamações dos moradores das imediações, sendo então construído o já citado que com a destruição o município edificou outro nas imediações do farol.

Não tenho lembrança da existência em Belmonte de casas construídas no mesmo tempo da edificação da Igreja em pauta. Creio que na Rua Marechal Deodoro era onde existiam os mais velhos prédios da cidade como o de Teodoro Guimarães, de Professora Mãezinha e do senador Wenceslau Guimarães não mais existentes. Na mesma rua ainda existe a casa do falecido João Calabocorio, porém como lembrança dos velhos prédios existem os palacetes de Melo Poassú, Pascoal Camelier e Prefeitura Municipal. Poderíamos anotar nesta relação o palacete dos Brasões, não fosse o mau gosto dos diretores do Flamengo substituindo a bonita fachada do prédio em um inexpressivo "tapume" na principal rua da cidade •— a 15 de Novembro — que no próximo dia 23 de Maio, completará 90 anos de sua emancipação.

. Termino esta crônica, uma espécie de "Pró-Memória" fazendo um apelo aos poderes constituídos no sentido de ajudar Belmonte conter a fúria do Rio Jequitinhonha e evitar a sua destruição, devolvendo desta maneira; parte dos impostos arrecadados pela Federação.

Rubens E. Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus. BA 09 Abr. 1980

A Eficiência da Polícia Vienense

RIO — Em duas crônicas, publiquei ha meses, nesta coluna, um detalhado relato da conterrânea Telma Flores, de sua excursão a Europa e África, levando a "tiracolo" sua sobrinha e nossa conhecida Gilca a "Pintora Precoce", filha de Lecy Medeiros Flores, também pintora como pintores são os seus pequeninos irmãos Gilson e Gilmar, per sinal todos laureados.

A minuciosa descrição feita pela itinerante, começou na Europa com o pouso em Madrid, seguindo depois para Escorial, Vaie dos Los Caídos, Toledo, Casablanca, Marrocos, Nice, Atenas,- Londres, Mônaco, Viena, Portugal e fechando o circuito nova passagem em Madrid para o regresso ao Brasil. Telma caprichou no relatório, expondo seus dotes de verdadeira repórter. Como "apêndice" igualmente atendendo meu apelo, Gilca-"pintou" sua excursão, expressando uma alegria digna de nota, pelos 28 dias da viagem, durante os quais, destacou os salões de pinturas, as floridas ruas de Nice e apoteótica benção que recebeu, como milhares de fiéis, do Papa João Paulo II quando o sumo pontífice se preparava para a inesquecível visita ao Brasil e terminava a sua caria a satisfação pelo "banho" de cultura recebido durante a viagem maravilhosa.

Entretanto nem Telma e nem Gilca relataram uma "passagem" da viagem ocorrida em Viena e que jamais sairá de suas lembranças. Creio que silêncio em torno do assunto tenha sido o receio de criticas por parte das pessoas de atenção. Porém o fato veio ao conhecimento público através de um apreciadíssimo debate radiofônico de grande audiência. Vamos ao caso:

Nos três dias em que a delegação "estacionou" em Viena, todos se movimentaram a vontade, não dando "bola" ao mau tempo reinante e responsável pelas barrentas águas do tradicional Danúbio Azul cantado, como os bosques, em lindas c inesquecíveis valsas imortalizadas por sucessivas gerações. As ricas bibliotecas, os belos edifícios e os famosos palácios como o Schonbrunn, foram "esmiuçados" avidamente da mesma forma como foram "caçados" os "recuerdos". Tudo era visto como um sonho das mil e uma noites, principalmente pela Gilca que no auge do encantamento.perdeu sua bolsa-sacola, só dando pelo desaparecimento horas depois quando deu o alarme, deixando os companheiros em polvorosa e se “virando" para encontrar a pasta onde estavam dentre outros objetos uma medalha do Papa João Paulo, adquirida na tradicional Praça do Vaticano e uma máquina fotográfica. Numa rápida procura infrutífera tudo voltou a se normalizar, pois o mais importante eram os passeios. Deixaram em segundo plano a sugestão de comunicar o fato a polícia, lembrada por um companheiro. Este, tal como um "espírito dê porco" — bendito "espírito de porco" — não se conformava com a falta de interesse da Telma, pois tinha certeza que a autoridade resolveria a parada., Tanto fez o insistente que a conterrânea, mais para atendê-lo, na hora do regresse deu um "salto" no comissariado registrando a ocorrência.

Livre do assedio do colega, nossa conterrânea recuperou ia tranquilidade, mesmo não tendo dúvidas da impossibilidade de reaver a bolsa da Gilca.

Mas uma surpresa estava reservada para a família Flores. Decorridos 6 meses, a Embaixada Brasileira recebeu um "informe" de Viena, dando conta de que a decantada bolsa havia sido encontrada — fora esquecida num coletivo da cidade — e estava a caminho para ser entregue a sua verdadeira dona. A alegria foi contagiante e a repercussão atingiu os meios radiofônicos.

Todos apenas aguardavam a chegada do "objeto perdido". Na entrega Gilca e Telma avidamente conferiram os ”achados" cujo montante, ninguém lembrava a não ser a medalha do Papa e a máquina fotográfica.. Os cem dólares como foi avisado, Chegaram depois através do Banco do Brasil.

Além, dos rasgados elogios ao "espírito do porco" ficou comprovada a eficiência e honestidade das autoridades austríacas, enquanto fica no ar. uma pergunta do radialista:

— Se a bolsa fosse perdida no Brasil?

Rubens E. Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 07/01/1981