sexta-feira, 31 de julho de 2009

Um companheiro que não dava confiança ao azar.

RIO — Quando me transferi para a hoje Capital do Estado do Rio de Janeiro, comuniquei aos meus amigos mais chegado o meu endereço, pondo a sua disposição minha casa aqui em Realengo. Em consequência vários companheiros que, como eu, «se mandaram» de Ilhéus em busca de emprego na outrora Cidade Maravilhosa, passaram seus primeiros dias na Falcão da Frota sendo por mim orientados para conseguirem suas primeiras colocações.

Efetivamente, naquela época, havia mais facilidade para se encontrar emprego aqui no Rio, o que não acontece hoje, tendo em vista ao avanço da tecnologia com o aperfeiçoamento do maquinarío, em prejuízo do homem, substituído, com vantagem, para a confecção de trabalhos, dos mais variados.

Me lembro de um colega vindo de Ilhéus e que ao receber o seu primeiro pagamento na Gráfica Heitor Ribeiro, exclamou entusiasmado:

Estou recebendo em uma semana', mais que o meu diretor do Jornal Oficial, em Ilhéus, recebe em um mês. Não sei se era verdade mas, naquele tempo, em 1947 um compositor gráfico era bem remunerado, principalmente quando se dispunha a fazer algumas horas extras.

Mas, dentre os companheiros que fiz questão de dar meu endereço, estava Eustáquio Santos, um alagoano oriundo da Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932. Na época estava bem instalado na vida, representante de uma importante indústria de desdobramento de álcool, propriedade de verdadeiro "crack" no assuno, chamado Cirilo, com a industria localizada no Largo do Unhão no térreo do Cabaré de João Grande.

Boa conversa, Estáquio conseguiu, no Sul do Estado, bons fregueses, o que representava ótimas comissões.

Nas festas promovidas pela Liga de Dominó 23 de Junho, da qual era diretor, se destacava nos gastos do bar, pagando rodadas para os colegas. Uma espécie de "mão aberta''.

Com o fechamento da industria, nosso amigo sofreu um "revertério",. segundo soube. Pois na época já estava aqui. entretanto, pelaa boas relações, conseguiu uma colocação na Prefeitura, que, entretanto não durou muito.

Certo domingo, fugindo aos meus hábitos de permanecer no Centro Recreativo Industriários de Realengo, do qual era diretor, saí com outros dirigentes para dar uma volta pelo Conjunto. No rápido passeio resolvemos ir até a Estação. Quando íamos subindo a rampa que dá acesso a bilheiteria, divisei na passagem da roleta, o velho companheiro, justamente no momento em que ele me avistava.

Um encontro inesquecível. Eustáquio que foi a Realengo me procurar estava, desesperado, de volta à cidade. Me contou, em poucas palavras, a sua odisséia e o objetivo da minha procura.

Havia chegado três dias antes e estava numa easa de cômodos. No bolso apenas a diária da dormida, numa hospedaria na Praça da Bandeira. Procurei tranquilizá-lo, prometendo resolver o problema da hospedagem, solucionado depois do almoço, quando consegui vaga na Pensão de d. Lucinda, na Rua do Ouvidor, onde era bastante conhecido.

Cedo, no outro dia, graças ao ''Jornal do Brasil", Eustáquio já era encaixotador da Fundição Indígena, na Rua Camerino. Depois montou uma pequena ofícina de concerto de calçados e terminou, como feirante.

Com todos os percalços nunca vi Eustáquio reclamar da vida. Um sorriso, nunca faltava, mesmo nos piores momentos, como o acotecido com a inesperada chegada da família ou desvio sofrido com à chegada do sogro, lhes prometendo "mundos e fundos', quando ele começava a se equilibrar.

Estava sempre preparado para começar tudo de novo.

Faleceu há anos na longínqua Engenheiro Pedreira e o seu sepultamento foi um dos mais concorridos da localidade.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 07/03/1979

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