sexta-feira, 31 de julho de 2009

Januário pão cacete‏

“Era um mulato alto, magro, risonho e amável. Chamava-se Januário, possuía dotes artísticos incontestáveis e, além de alfaiate, ainda lhe sobrava tempo e boa vontade para ser presidente de um clube de futebol, porta-estandarte de um cordão carnavalesco, baliza e animador principal do Terno de Gavião. E, assim, aquele cidadão se tornava útil, indispensável mesmo, à terra onde viva — Canavieiras, lá no sul do estado da Bahia".



"... Era assim ,nosso herói alegre, resistente, trabalhador. Tinha — como todos que respiram e pensam — defeitos, virtudes, pontos vulneráveis, fraquezas humanas. Na infância, Januário, atraído pelo aroma dos pães colocados nas janelas dos fregueses e, em particular, por aqueles compridos e torrados, conhecidos, lá, por pães-cacete, praticou a leviandade de se apoderar de alguns dos tais, em dias diferentes e pontes diversos, para despistar o fornecedor e os consumidores. Descoberto no exercício desse mister pouco nobolitante, ficou envergonhado, corrigindo-se, ficando-lhe, porém, para o resto de sua vida tão útil e divertida uma alcunha detestável; passou a ser chamado, pela canalha irreverente: Januário Pão Cacete. Quem quisesse ver nosso amigo furioso, grosseiro, estúpido mesmo, chamasse-o pelo odioso apelido .Perdia a linha irrepreensível mantida com elegância, a cortesia natural e palavrões saiam de seus lábios trêmulos, retumbantes, escandalesos, sujíssimos. Era seu ponto fraco, seu "Calcanhar de Aquiles".



Um dia, ,rapazes e moças da cidade encenaram "Os Dois Sargentos"' velho drama sempre aplaudido. Na noite da representação. Januário, emocionado acompanhava o desenrolar do enredo empolgante, as cenas épicas de d’Aubigny aplaudindo, com entusiasmo vibrante, os finais dos atos...



"A primeira peça, uma comédia leve, foi anunciada. Januário, além cie diretor do conjunto, teria o principal papel. Na estreia falada e comentada na Birindiba e na cidade, o barracão arvorado em teatro estava repleto de espectadores ansiosos pela nova revelação da inteligência poliforme do popular e estimado Januário. Impaciente .ouviu a plateia as pancadas regulamentares e o pano subiu vagarosamente, sem o clássico enguiço dos teatros de amadores. A cena representava o interior de casa burguesa; à direita baixa, nosso amigo de vestes caseiras, barbas imensas, óculos, cabelos grisalhos em desalinho matinal, atitude grave de patriarca em férias. Terminado o sussurro das plateias populares nosso estreante iniciou, calmo, o diálogo com uma moça colocacla à sua esquerda;

— Sim, minha filha, quero uma festa bem organizada; não esqueças o presunto, as conservas, o vinho Bordeaux...

— E o pão cacete, gritou um espectador metido a engraçado.



Uma gargalhada pesada, retumbante, cobriu o dito espirituoso, ferindo o coração do pobre intérprete indefeso. Januário, porém, náo perdeu a atitude de centro nobre. Esperou que terminasse o ruído do riso: olhou para o lado de onde partira o insulto e sem alterar continuou:

— Como dizia, não te esqueças do vinho Bordeaux e... o pão cacete (espanto do público), mas um pão cacete bem grande, e não comam todo. Guardem um pedaço para a mãe daquele cavalheiro... e continuou" com terna comiseração: Pobre senhora! Com um filho daquela ordem, deve passar muita fome...



NOTA — Esta crônica foi compilada do livro de J. Duarte "Vultos Sem História", numa retribuição a publicação, no jornal "O Vigia do Vale", de Almenara cidade de Minas Gerais do Vaie do Jequitinhonha, de Coisas Velhas e Novas, "Duarte e o Piano de Dr. Péricles", no dia 15 de Julho último. Duarte faz parte do corpo de redatores de "O Vigia do Vale". — R.E.S.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 11/08/1978

Um crime que emocionou Ilhéus.

RIO — O ano era 1934. O mês não me recorde, mas tenho plena certeza de que não havia ainda atingido o primeiro semestre. A cidado mal começara a se movimentar com as casas comerciais iniciando suas atividades, o mesmo acontecendo com os estabelecimentos bancários, na época reduzidos já que as firmas compradoras de cacau possuíam carteiras especialzadas para a movimentação de empréstimos possuindo para isto uma seção bancaria, devidamente autorizada,

De reponte, uma notícia transforma, por completo, a tranquilidade da população; "Um filho do dr, Lopes acaba da ser assassinado". Um verdadeiro impacto, que fez com que a cidade parasse estupefata. Muita gente não acreditando no que ouvia, mas, automaticamente, se dirigindo à Praça Ruy Barbosa, local da tragédia, para constatar a veracidade da notícia, alguns torcendo por um rebate falso, pois duvidavam existir alguém capaz de tirar a vida de um elemento da família do seu ídolo, eu seja do dr. João Batista Soares Lopes.

Mas ao chegar à casa do bom médico, constatava a veracidade da notícia. Lá estava inerte, o corpo do jovem Zeca Lopes, impetuoso ponta esquerda do Vitória, atingido que fora na testa por certeira bala, acionada por um destacado funcionário do Banco do Brasil, seu vizïnho naquela altura já detido pelas autoridades, para evitar fosse o mesmo vítima de uma revanche por parte de populares revoltados.

Soube-se imediatamente que o móvel do crime teria sido desavença entre vizinhos, iniciada dias atrás e cujo desfecho ali estava à vista de todos. As discussões entre as duas famílias, naquela manhã, chegara ao auge, e Zeca, se dirigiu a casa vizinha para tomar satisfações. Estava desarmado, pois acreditava no seu físico. Ao interpelar seu contendor, que se preparava para sair, este, com receio, sacou de um revolver, atingindo a vítima com um só disparo na testa, matando-o quase instantâneamente.

O enterro da vítima se constituiu em um acontecimento raramente verificado na cidade, só repstido quando do falecimento do seu pai, dr. Lopes, cuja cortejo fúnebre foi formado por quase toda a população de Ilhéus, e delegações, de cidades vizinhas.

Mas a tensão, devido ao crime, perdurou por muiío tempo e amainou um pouco após o julgamento do criminoso devido os debates no Tribunal do Júri, cujo resultado apesar da tese de legítima defesa levantada pelo defensor, causou revolta, a quase unanimidade em favor do bancário, isto porque a população achou que o resultado da absolvição, se deveu a um jurado, tido como amigo e era até compadre do dr. Lopes, que votou em favor do criminoso, uma verdadeira traição.

No julgamento um fato que serviu para descontrair um pouco a numerosa assistência. A certa altura, o advogado da defesa de posse do processo, tentou ler um !audo escrito pelo escrcvente Sérgio Miranda e, não conseguindo devido as "garatujas invés de letras", exclamou irritado:

— "Quem deveria estar aqui no banco do réu era este escrivão.


Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 05/05/1978

Um companheiro que não dava confiança ao azar.

RIO — Quando me transferi para a hoje Capital do Estado do Rio de Janeiro, comuniquei aos meus amigos mais chegado o meu endereço, pondo a sua disposição minha casa aqui em Realengo. Em consequência vários companheiros que, como eu, «se mandaram» de Ilhéus em busca de emprego na outrora Cidade Maravilhosa, passaram seus primeiros dias na Falcão da Frota sendo por mim orientados para conseguirem suas primeiras colocações.

Efetivamente, naquela época, havia mais facilidade para se encontrar emprego aqui no Rio, o que não acontece hoje, tendo em vista ao avanço da tecnologia com o aperfeiçoamento do maquinarío, em prejuízo do homem, substituído, com vantagem, para a confecção de trabalhos, dos mais variados.

Me lembro de um colega vindo de Ilhéus e que ao receber o seu primeiro pagamento na Gráfica Heitor Ribeiro, exclamou entusiasmado:

Estou recebendo em uma semana', mais que o meu diretor do Jornal Oficial, em Ilhéus, recebe em um mês. Não sei se era verdade mas, naquele tempo, em 1947 um compositor gráfico era bem remunerado, principalmente quando se dispunha a fazer algumas horas extras.

Mas, dentre os companheiros que fiz questão de dar meu endereço, estava Eustáquio Santos, um alagoano oriundo da Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932. Na época estava bem instalado na vida, representante de uma importante indústria de desdobramento de álcool, propriedade de verdadeiro "crack" no assuno, chamado Cirilo, com a industria localizada no Largo do Unhão no térreo do Cabaré de João Grande.

Boa conversa, Estáquio conseguiu, no Sul do Estado, bons fregueses, o que representava ótimas comissões.

Nas festas promovidas pela Liga de Dominó 23 de Junho, da qual era diretor, se destacava nos gastos do bar, pagando rodadas para os colegas. Uma espécie de "mão aberta''.

Com o fechamento da industria, nosso amigo sofreu um "revertério",. segundo soube. Pois na época já estava aqui. entretanto, pelaa boas relações, conseguiu uma colocação na Prefeitura, que, entretanto não durou muito.

Certo domingo, fugindo aos meus hábitos de permanecer no Centro Recreativo Industriários de Realengo, do qual era diretor, saí com outros dirigentes para dar uma volta pelo Conjunto. No rápido passeio resolvemos ir até a Estação. Quando íamos subindo a rampa que dá acesso a bilheiteria, divisei na passagem da roleta, o velho companheiro, justamente no momento em que ele me avistava.

Um encontro inesquecível. Eustáquio que foi a Realengo me procurar estava, desesperado, de volta à cidade. Me contou, em poucas palavras, a sua odisséia e o objetivo da minha procura.

Havia chegado três dias antes e estava numa easa de cômodos. No bolso apenas a diária da dormida, numa hospedaria na Praça da Bandeira. Procurei tranquilizá-lo, prometendo resolver o problema da hospedagem, solucionado depois do almoço, quando consegui vaga na Pensão de d. Lucinda, na Rua do Ouvidor, onde era bastante conhecido.

Cedo, no outro dia, graças ao ''Jornal do Brasil", Eustáquio já era encaixotador da Fundição Indígena, na Rua Camerino. Depois montou uma pequena ofícina de concerto de calçados e terminou, como feirante.

Com todos os percalços nunca vi Eustáquio reclamar da vida. Um sorriso, nunca faltava, mesmo nos piores momentos, como o acotecido com a inesperada chegada da família ou desvio sofrido com à chegada do sogro, lhes prometendo "mundos e fundos', quando ele começava a se equilibrar.

Estava sempre preparado para começar tudo de novo.

Faleceu há anos na longínqua Engenheiro Pedreira e o seu sepultamento foi um dos mais concorridos da localidade.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 07/03/1979

A morte de um astro brasileiro.

RIO — Com quase 81 anos de idade, acaba de falecer João Álvaro de Quental Ferreira, o popularíssimo Procópio Ferreira que, por cerca de 60 anos, participou intensamente da vida artística do país, como ator, autor, empresário c proprietário de Companhia de Teatro.

Procópio Ferreira foi o artista brasileiro que mais viajou e talvez, o que visitou todas as principais cidades do Brasil e do exterior, levando seu indiscutível talento e recebendo os mais entusiásticos aplausos e elogios da imprensa nacional e internacional, onde demonstrou a sua versatilidade, desempenhando os mais variados papéis, do comediante ao dramático.

Os jornais de todo o país publicaram necrológios, enaltecendo a vida artística daquele que, aos dezesseis anos de idade, estreava profissionalmente no teatro, depois de ter abandonado o convívio da família, fugindo as exigências do seu pai, na época dono de um estabelecimento comercial.

O corpo do artista foi velado no Teatro Municipal, onde foi visitado por milhares de pessoas, dentre as quais personalidades do mundo artístico, social, eclesiástico e político. A municipalidade decretou feriado, para assinalar seu pesar pelo falecimento.

A saída do féretro, da tradicional casa de espetáculos, os milhares de pessoas que lotavam a Cinelândia, tributaram ao velho artista, uma emocionante homenagem — raríssimas vezes verificadas em casos idênticos —que consistiu numa calorosa salva de palmas, repetindo naturalmente as que o «astro» estava acostumado a receber nas suas apresentações.

Dentre as milhares de peças representadas por Procópio, uma se destacava com a particularidade de ter sido feita para o artista. Era o «Deus Lhe Pague», do intelectual dramaturgo Joraci Camargo. Dizem os jornais que Procópio a representou cerca de três mil vezes «Deus Lhe Pague» foi feito especialmente para Procópio Ferreira e, invariavelmente, constava dos programas de suas apresentações, quase sempre por imposição da própria assistência.

Como não podia deixar de ser, Ilhéus também assistiu, na década de 30, a peça, encenada também em vários países e considerada a pioneira, no teatro, de crítica social, que se fazia na época. Mas Ilhéus nesta apresentação, não contou com a presença do extraordinário artista recem-falecido, que, por motivo particular, estava «indisposto», com Joraci Camargo que, com raro brilhantismo, substituiu o «astro» e criador do papel principal da peça, um mendigo, em torno do qual se desenvolvia a história do imortal escritor.

Lembro-me deste detalhe devido às constantes visitas de Joraci Camargo a redação do «Diário da Tarde» para manter diálogo com Octávio Moura e Carlos Monteiro, este de traços fisionômicos iguais ao autor. Nos encontros, sempre surgiam anedotas sobre os mais diversos temas, especialmente o político.

Certa vez assisti um destes «papéis» na redação do tradicional jornal, encerrando com aquele «sabe da última?».

O saudoso Presidente Getulio Vargas, depois da Revolução Constitucionalista, promovida por São Paulo, resolveu modificar as normas que vinha adotando na sua política e anunciou a modificação do sistema da eleição que passaria a ser secreta. Na reformulação e depois da eleição, o presidente teve que modificar seu ministério, iniciando por afastar o então ministro da justiça que, se não me engano, era Agamenon Magalhães. Nomeou para responder interinamente a pasta, o ministro Marcondes Filho, titular do Ministério do Trabalho.

Alguém estranhou a atitude do Presidente, lembrando o trabalho de Marcondes Filho para responder por . dois ministérios.

Getúlio com àquela calma que Deus lhe deu, respondeu:

— Não se preocupe. Não vai haver muito trabalho, pois no Ministério da Justiça não há trabalho e no Ministério do Trabalho não há justiça.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 04/07/1979

Um beletrista belmontense.

Dário dos Santos, autor deste trabalho, é conhecido poeta-escritor, domiciliado em Belo Horizonte. Exator aposentado, tem alguns livros publicados e é assíduo colaborador do “Anuário de Poetas do Brasil", organizado por Aparício Fernandes que, certa vez mencionei em Coisas Velhas e Novas" como verdadeiro amigo dos poetas. — Rubens E, Silva,

"A modéstia é, antes de mais nada, uma grande virtude. Mas acreditamos que tal qualidade, na prática, deve ser cultivada até certo ponto, isto porque achamos que não é aconselhável adotar-se a referida com excesso, já que tal critério torna-se, muitas e muitas vezes, prejudicial a quem assim procede.

Após havermos feito essa pequena elucidação acima, isto é, de modo totalmente impessoal, vimos, agora, objetivar alguém, pessoa na qual dito conceito muito bem se amolda transformando-o em uma bela carapuça certinha à sua cabeça. Queremos falar sobre o nosso prezadíssimo conterrâneo: Octávio Marinho da Costa muito mais conhecido em a nossa querida terra, Belmonte-BA, pelo carinhoso apelido familiar de TAZINHO. É um cidadão inteligente, possui um certo grau de cultura, esta que ele faz questão de ofuscá-la não tornando-a exteriorizada, satisfazendo, assim, o seu gênio um tanto introspectivo.

O nosso conterrâneo, por uma daquelas imposições do Rei Destino, jamais arredou pé, da cidade que o viu nascer, em busca de outras plagas à procura de melhores dias na vida comum.

Conhecemos o Tazinho desde a nossa infância; na nossa faixa etária, há uma diferença de poucos anos, sendo ele mais moço. Quanto ao seu curso primário, acho que foi feito nas escolas mais próximas a sua residência. Imutável, cujas professoras eram: D. Damiana, D. Adalgisa e D. Heroína; é possível, ainda, que ele tenha tido a felicidade de, ter sido discípulo do baluarte do ensino primário belmontense, Professor Lúcio Coelho Júnior, saudosamente sempre lembrado.

Ainda multo cedo, ele se propendeu para o violão, instrumento que hoje o executa com real agrado. Porque gostávamos, também, de "puxar ou marretar as cordas", fizemos juntos: boas serenatas em noites plenilúnias! Tocamos em muitas batucadas, cordões e bandas carnavalescas; tocamos, também, em muitos "brods" em casas de amigos, à guisa de aniversários, casamentos, batizados e quejandos. Mas seria de nossa parte, uma falta sem tamanho, se não mencionássemos, aqui, dois nomes cujas pessoas sempre estiveram ligados a nós, em todos esses momentos alegres como acima citados: Osvaldo Cabral, hoje vivendo em Salvador, e Celso Nabor dos Santos (o Jucá Nabor) já falecido.

Sempre propendente às letras, o nosso Tazinho, com a passar dos tempos, começou a rabiscar as idéias que se lhes afluíam na mente; organizando seus ensaios literários, mesclados em prosa e em versos. Porém, sendo irmão da Sosígenes Costa, famoso poeta belmontense de grata memória, mas que, por índole, talvez, não gostava muito de dar divulgação às suas obras, o nosso focalizado assim, também, procedia com alusão às suas produções, no que achamos deveria ser ao contrário.

Ainda rapazinho, como o Irmão Sosígenes, Tazinho também trabalhou como telegrafista. Somente muito tempo depois foi que passou a ser bancário, profissão na qual, segundo pensamos, foi aposentado.

Mas, em meio à turma, ele era sempre introspectivo. Se alguém, brincando, arranjava-lhe uma namorada, ele se zangava mostrando-se arredio às hostes do amor. — Mas é que Cupido é fogo! — Eis que o Tazinho viera a se casar com aquela que era sua vizinha, desde e tenra idade, a senhorita Lulu, dileta filha do Dr. Carvalho, hoje a grande senhora Octávio Marinho da Costa, cujo casal, na sociedade belmontense, vive exemplarmente acercado de seus prezados constituídos.

Vejam, dele o soneto abaixo que, sem a sua permissão, deliberarmo-nos publicar, no qual ele fala, com sentimento afetivo, das três árvores que, em tempos passados, ornamentavam a praça da Matriz, em a nossa Belmonte:



O TRIO VERDE DA MATRIZ



TAMARINDEIRO, viste-me nascer,

me viste tuas tâmaras haurindo.

MANGUEIRA, víste-me passar sorrindo

rumo à escola, ali perto, pra aprender.



Oh! AMENDOEIRA, viste-me bolindo

nos teus ramos com pedras pra colher

o teu fruto agri-doce com prazer.



Tuas copas debaixo do céu lindo,

espargiam a paz de doce alfombra

do teu deserto em cuja meiga sombra



Brincava alegre a meninada! Quedos

Troncos!… Oh!… Verde trio em minha terra

é no teu verde solo que se encerra

o tempo mais feliz dos meus brinquedos.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 10/11/1980

Um acidente providencial.

RIO — Lamentável, sobre todos os aspectos, a atitude do jogador Neca, do São Paulo, atingindo violentamente o atleticano Ângelo no final do jogo decisivo do Campeonato Brasileiro, inutilizando-o por vários meses, segundo os prognósticos, o atleta mineiro:que depois:de atingido, recebeu outra agressão do extraordinário Chicão, uma das principais, peças do quadro paulistaf

A reação natural do Atlético, inclusive promovendo um processo críminal contra Ângelo e' Chicão, é plenamente justificadaa e tem.como obietivo dar um basta a violência no futebol, muitas vezes praticada devido a complacência dos árbitros.

Não creio entretanto, que o clube mineiro tenha êxito, tentado muitas, vezes, por outros clubes, sem o resultado desejado, porque, uma jogada intencional, no calor do jogo, é tomada como proposital, surgindo a ideia, do revide, que se generaliza, transfarmando a partida em verdadeira batalha, com resultados imprevisíveis.

Pernas, clavículas, tornozelos, tíbias, rótulas quebradas ou fraturadas tem sido uma constante no" futebol. Certa vez o famoso Zizinho foi processado, por ter quebrado a perna do paulista Agostinho, numa reação idêntica a da fampilia atleticana. " Em toda a pairte se tem registrado acidentes durante jogos' que tiram jogadores de suas ativídades por longos períodos, ou mesmo pelo resto da sua'' vida. Felizmente nestes casos' são poucos os atingidos. Em Ilhéus, o franzino Mário Tourinho, se defendendo maliciosamento de uma entrada do zagueiro França, inutilizou o valente beque do Flamengo. Entretanto há inúmeros casos de recuperação como o de Mirandinha.

Também existem casos em que o atingido encontra a felicidade, como do meu saudoso amigo João Carmênio da Silva, mais conhecido pela alcunha de João de Guedes. Era um simples balconista tipo boa praça”. Morava no estabelecimento onde trabalhava e recebia pequeno “pró-labore”

Certa vez seus amigos o chamaram para participar de; uma partida de futebol. E apenas para completar o “onze” pois a sua habïlidacíe futebolística era abaixo de zero.

Na disputa de uma, jogada a Carmênio é atingido e do choque resulta a fratura exposta da perna. Efetivamente não podia ficar na venda e o jeito foi procurar, uma pessoa que tratasse do atleta improvisado. Uma bondosa senhora o acolheu tratando-o com eficiência. Deste contato nasceu uma confiança da anfitriã ao frustrado jogador que ficou encarregado de gerir os bens de sua.protetora.

Como a senhora não tinha dependentes, deixou seus haveres para o João Guedes que, com sua capacidade administrativa, dentro em pouco se tornou um abastado fazendeiro.

Para ele o acidente foi providencial.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 22/03/1978

SPC ─ O terror dos marreteiros.

RIO — O Serviço de Proteção ao Crédito, como entidade jurídica, é uma instituição relativamente nova. Creio não tem 20 anos. A sua criação se deve face ao crescimento desmensurado dcs caloteiros, ou seja dos maus pagadores. Tinha mesmo de ser criado um órgão defensor dos comerciantes e sua ampliação, por todo o país, é plenamente justificada.

Os vendedores ambulantes, os "mascates", devem ter sido mentores ou idealizadores de tão utilíssimo serviço verdadeiro terror dos "marreteiros"'. uma classe nociva e constituída de verdadeiros "artistas" na arte de “engrupir” os incautos ou mesmo os mais perspicaz dos cidadãos. E o caso de perguntar. Quem escapa de uma boa conversa?

Desde jovem conheço e até lido com vendedores ambulantes. Na minha terrinha da região sulina da Bahia, Belmonte, entre os "mascates", conheci uma dupla vendedora de jóias, Josino e Cosme Ourives, além de outros vendedores que ainda usavam "matraca para se fazer anunciar. Aliás o Cosme, sempre bem trajado e um pouco sisudo, era por demais católico de uma beatice extremada. Nas festas religiosas, fossem interna ou externas, sempre demonstrava a sua religiosidade, que vestindo a roupa para acompanhar as procissões ou quando eventualmente auxiliava o santo ofício da missa. A qualquer rumor mais acentuado na igreja demonstrava, com um olhar penetrante, a sua desaprovação.

O extremado respeito aos santos era exposto quando das festas juninas, em que fazia questão de aclamar os santos com um respeitoso "Viva Senhor São João ou São Pedro", o mesmo fazendo com o popularíssimo Santo Antônio. Lembro saudosamente do primeiro representante da Singer, Armando Liger da Rocha que vendeu, a prestação, uma máquina de costura, a minha saudosa mãe, por dois mil réis mensais.

Mas, vamos ao objetivo desta crônica que é falar sobre o Serviço de proteção ao Crédito que não é tão novo como parece, pois ele vinha existindo há anos, em caráter privado, ou melhor sigilosamente.

Sabemos que os judeus são tidos como os inventores das vendas a prestação. E neste ramo, na maioria das vezes, conseguem prosperar. Aí em Ilhéus, nos velhos tempos, tínhamos dentre outros, Jayme Sckraibe, Arnaldo, Zizemberber e Jacob, estabelecidos em diversos ramos de negócio, principalmente em móveis. Nas ruas estavam o Marcos e o "Camono”, velhos conhecidos na região cacaueira. Certa vez encontrei "Camone" numa cidadezinha do interior convencendo um "freguês" a comprar um corte de fazenda. Foi uma cena inuzitada. O mascote empregava um dialeto incompreensível, misturado de mímicas, como se estivesse chegado recentemente ao Brasil. Ao me ver fez um sinal claramente compreensível.

Porém, a minha convicção de que o Serviço de Proteção ao Crédito não é tão novo assim, foi motivada por um encontro casual, nos idos dos 1940, com Marcos, um vendedor ambulante judeu, que conhecia aí de Ilhéus. Passava pela frente a minha residência quando o chamei para um cafezinho. Do café surgiu animado "papo" das coisas da outrora "Princeza do Sul". Recordações dos disputas em dados, das cervejas e chocolates, nos bares da Firmino Amaral.

Como não podia deixar de ser, a certa altura perguntei eo Marcos o motivo do passeio a Realengo. Negócios respondeu o Marcos, mais precisamente, cobranças. Neste assunto o velho companheiro passou a desenvolver a sua atividade, até que curioso lhe perguntei como os ambulantes seus patrícios se livravam dos calotes. Surpreendentemente Marcos" tira dos bolsos duas relações de nomes e, sem mais delongas, foi dizendo: "Esta só tem cano de ferro", ou seja maus pagadores. Não queira nada com eles. Mas esta está constituída de gente boa. Pode fazer qualquer negócio com qualquer uma desta lista.

Como vê, está provado que os gringos, há anos, mantinham seu serviço de proteção ao crédito.

E olhe lá. Dizem que eles recebem como primeira prestação de sua venda, o equivalente ao preço da mercadoria vendida. O resto, tudo é lucro.

Jornal da Manhã Ilhéus/BA 10/04/1979