sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A inflação é uma oportuna advertência.

RIO ─ Tem razão o senador mineiro pelo MDB, Tancredo de Almeida Neves, quando adverte o governo sobre a situação financeira do País, principalmente em face das dificuldades por que passa a maioria absoluta dos brasileiros, afogada com as altas constantes e vertiginosas dos preços das utilidades essenciais para a sua sobrevivência. A estatística demonstra que apenas 5 por cento da população é detentora de 52 por cento

da renda nacional e 8 por cento dos brasileiros tem posse de 70 por cento das terras agro-cultiváveis do Brasil.



Diante de tal situação, o senador, homem equilibradíssimo, faz previsões sombrias e solicita medidas drásticas contra os exploradores do povo, que como sempre, fazem ouvidos de mercador e prosseguem sugando o já depauperado e minguado salário dos trabalhadores.



Os aumentos dos salários, em função dos aumentos já realizados, motivam novas remarcações nos supermercados, remarcações estas que agora são feitas eletronicamente, ou melhor, através de uma pequena máquina acionada durante o dia por um funcionário, que na sua missão, não tem tempo nem de retirar a marcação anterior, muitas vezes feita horas antes.



Os órgãos fiscalizadores desapareceram quase, por completo, da circulação e, quando aparecem e são abordados pelos compradores, nem tomam providência alguma, deixando o povo entregue a sua própria sorte.



As ”Cestas do Povo”, os “Caminhões da Cobal” e outras instituições aparecidas ultimamente, nada resolvem pois o tempo perdido nas filas não compensa em face da mínima diferença de preços da mesma mercadoria exposta nos supermercados, além da falta de algumas mercadorias essenciais ao sustento da população mais carente.



A par da advertência do senador Tancredo Neves, de que o ovo tentará fazer, pela violência, profundas reformas sociais e econômicas” aqui nesta “mui heróica Cidade de São Sebastião”, tenho assistido a várias demonstrações de força coletiva e a sua capacidade de violenta reação. Por exemplo: a invasão do Maracanã, no dia da sua inauguração. A multidão que afluiu ao estádio, impaciente ante a morosidade na venda dos ingressos, começou a protestar e, a certa altura, como um rolo compressor, derrubou parte da murada que cercava a praça de esportes, invadindo todas as dependências, sem que houvesse força que impedisse o “assalto”.



As reações aos constantes e injustificáveis atrasos dos trens da Central, muitas vezes se transformando de depedrações, também demonstrar o quanto pode a força humana. Certa vez, devido a um prolongado atraso, quase todas as estações foram depedradas pelos usuários. A ação foi feita após constantes descarrilamentos, não faltando quem pusesse a culpa nos “agitadores comunistas”.



Mas com algumas providências tomadas pela Rede Ferroviária, inclusive instalando alto-falantes nas estações para comunicar as ocorrências em cima da hora, tem diminuído um pouco as ações depredadoras.

Porém a maior demonstração de Violência popular foi a verificada nas barcas Rio - Niterói quando a família Carreteiro era concessionária. Saturados pelos constantes e inexplicáveis atrasos e pelos maus atendimentos, os usuários, certo dia, "perderam a paciência" e, como perderam.



Estava a Estação de Niterói superlotada e, naquele dia, o tradicional atraso parecia mais demorado que os outros dias. Os operários uns com o repouso remunerado já perdido e outros na eminência de perdê-lo. De repente a revolta. As instalações quase todas destruídas e a multidão resolveu ir de encontro aos concessionários, dirigindo-se a residência do chefe não o encontrando. A casa foi invadida pela massa humana e completamente destruída com todos os moveis e utensílios jogados na rua. Houve um principio de incêndio debelado pelos amotinados.



Um contingente dos Fuzileiros Navais foi impotente para dominar a situação só normalizada depois da casa ficar quase arrasada.



Como o senador mineiro, pensa um economista que declarou:

— Não sei para onde iremos quando esse povo juntar a fome à vontade de comer.

Rubens E Silva. Jornal da Manhã. Ilhéus/BA 25/10/1979

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